Capítulo 5
Construindo Topologias

5.1 Comparando Topologias

Em um mesmo conjunto X, podemos ter definidas duas topologias τ1 e τ2. Pode acontecer que τ1 τ2, por exemplo. Neste caso, sempre que f : X,τX (Y,τY ) for contínua, teremos que f : (X,τ2) Y,τY também será contínua. Também podemos concluir que

xn τ2x xn τ1x.

Pode ser que não tenhamos nem τ1 τ2, nem τ2 τ1. Duas topologias nem sempre são comparáveis.

Definição 5.1.

Se X,τX e X,τX são duas topologias em um mesmo conjunto X e τ1 τ2, então dizemos que τ2 é mais forte ou mais fina que τ1. Também dizemos que τ1 é mais fraca que τ2. Podemos também dizer que τ1 é menor que τ2, ou que τ2 é maior que τ1. Veja a Observação 5.3.

A topologia determina quais são as sequências que convergem e quais não convergem. Se imaginarmos a topologia como uma “peneira” que deixa passar apenas as sequências convergentes, quanto mais fina for a topologia, menos sequências passarão como convergentes. Veja a Figura 5.1.


PIC


Figura 5.1: Quanto mais fina é a topologia, menos sequências “passam” como convergentes.

Proposição 5.2.

Seja X um conjunto qualquer, e τλ (λ Λ) uma família de topologias em X. Então τX = λΛτλ é uma topologia em X.

Demonstração. Basta verificar que τX satisfaz os axiomas listados na Definição 4.1. Por exemplo,

A,B τX λ Λ,A B τλ A B λΛτλ = τX.

Observação 5.3.

A relação “mais forte que” define uma ordem parcial na família

𝒯 (X) = τX 𝒫X τX é topologia,

das topologias de um conjunto X. Esta ordem é simplesmente a restrição da relação de inclusão definida em 𝒫X à família 𝒯 (X).

Existe um elemento máximo dentre todas as topologias de X. É o conjunto das partes de X, 𝒫X, que é a topologia mais forte que pode ser definida em X. Por outro lado, {,X} é a topologia mais fraca em 𝒯 (X).

A Proposição 5.2 mostra que dada uma família de topolgias τλ(λ Λ), existe a maior topologia que é menor que todas as τλ. Essa topologia τδ é o ínfimo das τλ. Escrevemos

τδ = τλ λ Λ.

ou

τδ = λΛτλ.

Por outro lado, a união de topologias não é necessariamente uma topologia. No entanto, se considerarmos a família

= τX 𝒯 (X) λΛτλ τX

de todas as topologias que são maiores que todas as τλ, sabemos que a família não é vazia, pois 𝒫X . Seja então τσ o ínfimo de :

τσ = .

A topologia τσ é a menor topologia que é maior que todas as τλ. Essa topologia é o supremo de τλ, e é denotada por

τσ = λΛτλ.

5.1.1 Comparação de Topologias e Continuidade

Quando X é um espaço topológico dotado de duas topologias τ1 e τ2, o que podemos dizer da relação entre essas topologias se soubermos que a aplicação identidade

id :(X,τ1) X,τX x x

é contínua? A resposta é simples:

id é contínua τ2 τ1.

Vamos generalizar isso para uma aplicação qualquer

f : (X,τ1) X,τX.

Proposição 5.4.

Seja X um conjunto qualquer e Y,τY um espaço topológico. Dada uma aplicação qualquer f : X Y , τf = f1(τY ) define uma topologia em X.

Demonstração. Basta notar que ,X τf, se A,B τf, então A = f1(A) e B = f1(B) com A,B τY . Como τY é uma topologia, A B τY . Assim, A B = f1(A B) f1(τY ) = τf. Podemos fazer analogamente para a união arbitrária de elementos de τf. Basta observar que f1 : 𝒫Y 𝒫X comuta com as operações de união e interseção. □

Pela Proposição 5.4, dizer que f : X,τX Y,τY é contínua é o mesmo que dizer que a topologia τf é mais fraca que τX. De fato, é fácil verificar que τf é a menor topologia que faz com que f : X Y,τY seja contínua.

5.2 Sub-Base

A construção feita na Observação 5.3 é muito comum. É essa construção que em álgebra, por exemplo, nos permite definir para um espaço vetorial V e um subconjunto qualquer S V , o menor subespaço de V que contém S. Este é o subespaço vetorial gerado por S. Do mesmo modo, para um grupo G e um subconjunto qualquer S G, pode-se definir o que seria o grupo gerado por S. Esse seria o menor subgrupo de G que contém S. Existem exemplos também em teoria da medida. Assim, como na Proposição 5.2, a interseção de uma família de subgrupos é um subgrupo, a interseção de uma família de subespaços vetoriais é um subespaço vetorial.

Definição 5.5.

Seja X um conjunto, e 𝒞𝒫X uma família qualquer de subconjuntos de X. Então a topologia

τ 𝒞 = 𝒞τXτX

é a topologia gerada por 𝒞. Essa é a menor topologia de X que contém a família 𝒞.

Definição 5.6.

Seja X um conjunto qualquer, e 𝒞𝒫X uma família qualquer de subconjuntos de X. Mesmo sem definir o que venha a ser uma base para a topologia (Definição 5.13), vamos definir o conjunto

𝒞 = A𝒞A 𝒞𝒞,#𝒞 < ,

e chamá-lo de base induzida pela família 𝒞. Aqui, usamos a convenção de que AA = X.

Observação 5.7. Na Definição 5.6, utilizamos a seguinte convenção:

AA = AA = X.

Esta convenção se torna mais natural se, considerando a relação de ordem em 𝒫X, interpretarmos e como sendo operadores de supremo e ínfimo, assim como fizemos na Observação 5.3. Desta forma, dado 𝒫X,

AA

é o menor subconjunto de X que é maior que todos os conjuntos em . Se é vazio, então o menor subconjunto seria justamente . Da mesma forma,

AA

é o maior subconjunto de X que é menor que todos os conjuntos em . Se = , este conjunto é simplesmente o maior subconjunto de X, que é o próprio X.

Por um abuso de notação, quando 𝒞 = Aλ λ Λ, por vezes escrevemos τ Aλ,λ Λ no lugar de τ 𝒞. E quando 𝒞λ,(λ Λ) é uma coleção de famílias de subconjuntos de X, escrevemos τ 𝒞λ,λ Λ ao invés de τ λΛ𝒞λ. As seguintes propriedades da topologia gerada por uma família são consequência direta da definição. O leitor deve ficar atento para a diferença entre

τ 𝒞λ,λ Λ

e

τ 𝒞λ,λ Λ.

Proposição 5.8.

Sejam 𝒞e 𝒟 famílias de subconjuntos de X, e τX uma topologia em X. Então, valem as seguintes propriedades:

  1. Todos os conjuntos em 𝒞 são abertos na topologia gerada: 𝒞 τ 𝒞.
  2. Se 𝒞𝒟, então τ 𝒞 τ 𝒟.
  3. Temos que 𝒞 τX se, e somente se, τ 𝒞 τX.
  4. Se τX é uma topologia, então τX = τ τX. Em particular, vale que
    τ τ 𝒞 = τ 𝒞.
  5. Se 𝒞 τX τ 𝒞, então τX = τ 𝒞.
  6. Se 𝒞𝒟 τ 𝒞, então τ 𝒞 = τ 𝒟.
  7. Se = τ 𝒞 τ 𝒟, então τ = τ 𝒞𝒟.
  8. Seja 𝒞λ,(λ Λ) uma coleção de famílias de subconjuntos de X. Então,
    τ τ 𝒞λ,λ Λ = τ 𝒞λ,λ Λ.

Demonstração. Vamos mostrar apenas o item (8), que é mais difícil. O restante fica como exercício. :-)

É evidente, pelo item (2), que

τ λΛ𝒞λ τ λΛτ 𝒞λ.

No entanto, novamente pelo item (2), sabemos que para todo γ Λ,

τ 𝒞γ τ λΛ𝒞λ.

E portanto,

λΛτ 𝒞λ τ λΛ𝒞λ.

Agora, pelo item (5),

τ λΛτ 𝒞λ = τ λΛ𝒞λ.

5.2.1 Forma da Topologia Gerada

Qual é a forma de um aberto de τ 𝒞 quando expresso em termos de 𝒞? Obviamente que a topologia gerada por 𝒞 deve conter todas as interseções finitas e todas as uniões de elementos de 𝒞. Mas isso nem sempre é suficiente. A Proposição 5.9 nos diz como podemos escrever os abertos da topologia gerada em termos de conjuntos da sub-base.

Proposição 5.9.

Seja 𝒞uma sub-base para um espaço topológico (X,τX). Ou seja, τX = τ 𝒞. Considere a base induzida = 𝒞das interseções finitas de conjuntos de 𝒞. Então, todos os conjuntos da topologia são uniões de conjuntos de :

τX = AA .

Demonstração. A topologia τ 𝒞 necessariamente contém . Assim,

𝒞 τ 𝒞.

Considere então, a família 𝒰 dada pelas uniões de elementos de :

𝒰 = AA .

Novamente,

𝒞𝒰 τ 𝒞.

Para concluir que τX = 𝒰, basta mostrar que 𝒰é uma topologia. Assim, como τX é a menor que contém 𝒞, poderemos concluir que τX = 𝒰. É imediato que

,X 𝒰.

Também é evidente pela própria definição de 𝒰, que 𝒰 é fechado por uniões arbitrárias. Basta então verificar que se A,B 𝒰, então A B 𝒰. Onde, para A,B adequados,

A = UAU B = V BV.

Mas, neste caso,

A B = WCW,

onde C = U V U A,V B. Agora, basta notar que C , pois é fechada por interseção finita. □

5.2.2 Sub-Base e Continuidade

Se temos uma aplicação f : X,τX Y,τY , e uma sub-base 𝒞 de τY , como podemos dizer, olhando para f1(𝒞), se f é ou não contínua. Um primeiro “chute” seria talvez dizer que basta que f1(𝒞) τX. Obviamente que esta é uma condição necessária. A proposição seguinte é o elo que falta para mostrar que a condição f1(𝒞) τX é equivalente à continuidade de f.

Proposição 5.10.

Sejam X e Y dois conjuntos e 𝒞𝒫Y uma família de subconjuntos de Y . Então,

τ f1(𝒞) = f1 τ 𝒞.

Demonstração. Vamos utilizar a seguinte notação:

τ1 = τ f1(𝒞) τ2 = f1 τ 𝒞.

Por definição, τ1 é uma topologia. É fácil ver (Exemplo 4.5) que τ2 também é uma topologia. Como f1(𝒞) τ2, segue que

τ1 τ2,

pois τ1 é a menor topologia com tal propriedade. Resta então mostrar que dado A τ2, teremos A τ1.

Pela Proposição 5.9, dado A τ2, basta mostrar que A pode ser escrito como uma união arbitrária de interseções finitas de elementos de f1(𝒞). De fato, A = f1(A), onde A τ 𝒞 é uma união arbitrária de interseções finitas de elementos de 𝒞. Como f1 comuta com as operações de união e interseção, temos a expressão desejada para A, concluindo a demonstração. □

Conforme prometido, vamos utilizar a Proposição 5.10 para mostrar que para uma aplicação f : X,τX (Y,τ 𝒞) ser contínua, basta que f1(𝒞) τX.

Proposição 5.11.

Seja f : X,τX Y,τY , onde τY = τ 𝒞. Então, f é contínua se, e somente se, f1(𝒞) τX.

Demonstração. É evidente que a condição é necessária. Vamos mostrar que é suficiente. Pela Proposição 5.10, temos que

f1(τ Y ) = τ f1(𝒞).

Mas a hipótese f1(𝒞) τX implica que τ f1(𝒞) τX. Ou seja,

f1(τ Y ) = τ f1(𝒞) τ X.

Observação 5.12. Frequentemente, demonstrações de que determinada função é contínua ficam excessivamente complicadas porque o autor da demonstração refez o argumento das Proposições 5.10 e 5.11. Veja, por exemplo, a demonstração da Proposição 7.14.

5.2.3 Exercícios

5.2.1. Considere em sua topologia usual, τ, a topologia da continuidade inferior, τi e a topologia da continuidade superior, τs. Mostre que f : X , onde X é um espaço topológico qualquer, é contínua na topologia τ se, e somente se, for contínua nas topologias τi e τs.

5.2.2. Seja 𝒮 uma família de subconjuntos de X que não cobre X. Ou seja, X S𝒳S. Considere a topologia em X gerada por 𝒮, e mostre que existe x X tal que 𝒱x = X.

5.2.3. Mostre que f : X Y é aberta se, e somente se, é aberta em todo x X.

5.2.4. Considere f : X,τX Y,τY . Se é uma família geradora da topologia τX, então, f é aberta se, e somente se, f() τY .

5.3 Bases

Dada uma família 𝒞 de subconjuntos de um conjunto X, a base induzida = 𝒞 tinha uma propriedade interessante:

Todo aberto de τ é uma união de elementos de .

Cada família com essa propriedade é uma de base da topologia. Quando construímos a topologia dos espaços métricos, as bolas formavam uma base para a topologia (Proposição 3.14).

Definição 5.13.

Seja X,τX um espaço topológico. Uma família τX é uma base para a topologia τX quando todo conjunto A τX puder ser escrito como uma união de elementos de . Aqui, seguimos a convenção de que AA = ,

Como de costume, vamos ver outras maneiras de caracterizar o que vem a ser uma base para uma topologia τX. Note que uma das condições da Definição 5.13 é que τX.

Proposição 5.14.

Seja X,τX um espaço topológico e 𝒫X uma família de subconjuntos de X. Então as seguintes afirmações são equivalentes:

  1. A família
    ρ = AA

    é uma topologia de X. E além disso, τX = ρ.

  2. A família é uma base para τX.
  3. Temos que τX, e para todo x X e toda vizinhança V de x, existe B tal que x B V .
  4. Para todo x X, o conjunto
    x = A x A

    é uma base de vizinhanças de x (veja a Definição 4.10).

  5. Para todo A,B e x A B existe C tal que x C A B. E além disso, τX = τ e X = AA.

Demonstração. _ (1) (2)

Pela definição de base, é uma base para ρ. Como

ρ τ ,

temos que ρ = τ = τX.

_ (2) (3)

Se é base para τX, então τX. Seja V 𝒱x. Então, A = V ̈ é aberto e x A. Como o conjunto A é da forma

A = BB

para alguma sub-família , basta escolher B tal que x B, para que

x B A V.

_ (3) (4)

Evidentemente que x 𝒱x, já que a família é formada por conjuntos abertos que contém x. Basta mostrar que para toda vizinhança V de x, existe B x tal que B V . Mas a existência de tal B é justamente a hipótese do item (3).

_ (4) (5)

Se A,B e x A B, então, por hipótese, A e B são vizinhanças de x. Portanto, A B também é vizinhança de x. Como x é uma base de vizinhanças de x, então existe C x tal que

x C A B.

Precisamos então verificar que gera τX. Primeiramente, note que todo conjunto U é aberto, pois se x U, então U x 𝒱x. Ou seja, U é vizinhança de todos os seus pontos. Assim,

τ τX.

Por outro lado, todo aberto de τX pode ser escrito como uma união de elementos de , pois dado V τX, para cada x V existe V x x tal que x V x V . Ou seja,

V = xV V x.

E portanto,

τX τ .

É evidente que X = AA, pois nenhum dos x é vazio. (Note que acabamos provando que (4) (2).)

_ (5) (1)

Já sabemos que ρ. Pela hipótese de X ser a união de todos os conjuntos em , X ρ. Por definição, ρ é evidentemente fechada por união arbitrária. Resta mostrar que é também fechada por interseção finita. Para isso, basta notar que A e B são da forma

A = UAU B = V BV

para A,B adequados. Assim,

A B = (U,V )A×BU V,

sendo que, é fácil verificar que as hipóteses do item (5) implicam que cada U V é uma união de conjuntos em . Portanto, A B ρ. □

Observação 5.15.

Dada uma família qualquer 𝒞𝒫X, a Proposição 5.9 mostra que 𝒞 é uma base para τ 𝒞. Em particular, toda família fechada por interseção finita é uma base para τ . Esse fato pode ser verificado também pelo item (5) da Proposição 5.14. Esta condição não é, no entanto, necessária para que seja uma base para τ . As bolas, por exemplo, formam uma base para a topologia de um espaço métrico, mas não é necessariamente verdade que a interseção de duas bolas será uma bola.

Corolário 5.16. Seja uma família de subconjuntos de X, com X = AA. Para que seja uma base de τ é necessário e suficiente que para todo A,B , A B possa ser escrito como união de elementos de .

Demonstração. A condição é evidentemente necessária. Para ver que é suficiente, basta verificar as condições do item (5) da Proposição 5.14. Evidentemente que gera τ . O restante da demonstração fica como exercício. □

5.3.1 Sub-Base e Convergência

A convergência de uma sequência xn x pode ser entendida como:

Para toda vizinhança V de x, por menor que seja, existe N tal que

n N xn V.

A expressão “por menor que seja” é um aposto, e é supérflua, mas traduz bem o fato de a convergência poder ser descrita em termos de bases, ou bases de vizinhanças (veja a Observação 4.13 e a Proposição 5.14). O fenômeno da convergência pode ser ainda mais fácil de ser verificado se utilizarmos uma sub-base ao invés de uma base.

Proposição 5.17. Seja 𝒮 uma sub-base de um espaço topológico. Então, uma sequência xn converge para x se, e somente se, para todo V 𝒮, com x V , existir N = N(V ) tal que

n N xn V.

Demonstração. Seja a base gerada por 𝒮. Basta mostrarmos que a condição garante que para todo U , com x U, existir N = N(U) tal que

n N xn U.

Note que ou U = X (neste caso, basta tomar N = 1), ou U = V 1 V n, com V j 𝒮. Neste último caso,

N(U) = max N(V 1),,N(V n)

satisfaz a condição desejada. □

5.3.2 Exercícios

5.3.1. Mostre que a família

= (a,b) a ,b

é uma base para a topologia usual de .

5.3.2. Toda base é fechada por interseção finita não vazia? Demonstre que sim, ou dê um contra exemplo.

5.3.3. Complete a demonstração do Corolário 5.16.

5.4 Cardinalidade das Bases e Sub-Bases

Principalmente quando trabalhamos com sequências de elementos, ou mesmo sequências de conjuntos, a existência ou não de bases ou bases de vizinhanças que sejam enumeráveis torna-se uma questão importante.

Definição 5.18. Dizemos que um espaço topológico X é segundo-enumerável quando possuir uma base enumerável. Se todo x X possui uma base enumerável de vizinhanças, dizemos que X é primeiro-enumerável.

Observação 5.19. A nomenclatura da Definição 5.18 é uma tradução direta da língua inglesa — first countable e second countable —, e é muito ruim. Se um espaço topológico X possui uma base enumerável, não seria melhor dizer que X possui base enumerável? Da mesma forma, neste livro, vamos dizer que x X possui base enumerável de vizinhanças. Ao invés de dizer primeiro-enumerável, vamos simplesmente dizer que todo ponto de X possui base enumerável de vizinhanças.

Exemplo 5.20 (Espaço Métrico). Em um espaço métrico X, um ponto qualquer possui uma base enumerável de vizinhanças. De fato, dado x, as bolas de raio 1 n centradas em x formam uma base de vizinhanças. Essa base de vizinhanças tem a propriedade de poder ser ordenada de forma decrescente. Ou seja,

B1 n (x) B 1 n+1 (x).

Esta é a propriedade que nos permitiu estabelecer a equivalência entre continuidade com bolas e continuidade com sequências para aplicações entre espaços métricos. Veja a Proposição 2.10.

Na Definição 5.18, não mencionamos nada sobre a cardinalidade das sub-bases. A seguinte proposição explica porque.

Proposição 5.21. Em um espaço topológico X com infinitos abertos, existe uma base com cardinalidade κ se, e somente se, existe uma sub-base com a mesma cardinalidade. Em particular, o espaço possui base enumerável se, e somente se possuir uma sub-base enumerável.

Demonstração. Como toda base é uma sub-base, basta mostrar que dada uma sub-base 𝒮, existe uma base com a mesma cardinalidade que 𝒮. Primeiramente, é preciso notar que a cardinalidade de 𝒮 não pode ser finita. Caso contrário, não existiriam infinitos abertos na topologia.

Note que a família

n = U1 Un U1,,Un 𝒮

tem a mesma cardinalidade que 𝒮 (por quê?). Note também, que

= X n=1 n,

e portanto, também tem a mesma cardinalidade que 𝒮 (por quê?). □

Os espaços tais que todo ponto possui uma base enumerável de vizinhanças são semelhantes aos espaços métricos. Onde usaríamos sequências de bolas de raio 1 n, usamos a proposição abaixo. Um exemplo é a Proposição 5.23.

Proposição 5.22. Seja X um espaço topológico e x X um elemento qualquer. Se x possui uma base enumerável infinita de vizinhanças, x, então x possui uma base de vizinhanças formada por conjuntos B1,B2, satisfazendo

B1 B2 B3

Dizemos que x é uma base de vizinhanças encaixantes.

Demonstração. Seja B1,B2, uma enumeração dos elementos de x. Faça

Bn = j=1nB j.

Por ser interseção finita de vizinhanças de x, cada Bn é uma vizinhança de x. E dada uma vizinhança qualquer de x, V , existe n tal que Bn V . Ou seja,

Bn Bn V.

E portanto, os conjuntos Bn formam uma base de vizinhanças de x. □

É claro que se x possuir uma base finita de vizinhanças, então x possui uma base formada por apenas um elemento: a interseção de todos os elementos da base finita.

Em um espaço onde todo ponto possui base enumerável de vizinhanças, a topologia pode ser inteiramente descrita através de sequências e seus limites.

Proposição 5.23. Seja X um espaço topológico, x X, e x 𝒱x uma base enumerável de vizinhanças de x. Então, a família 𝒱x pode ser inteiramente determinada se soubermos quais são as sequências que convergem para x.

Demonstração. Pela Proposição 5.22, podemos assumir que x = B1,B2,, com Bn Bn+1.

Vamos mostrar que V é vizinhança de x se, e somente se, para toda sequência convergente xn x, tivermos um N tal que n N xn V . Se V é vizinhança de x, então, é evidente que para toda sequência xn x existe um tal N. Por outro lado, se V não é uma vizinhança de x, então, para cada n, existe Bn tal que Bn V . Tome xn Bn V . A sequência xn converge para x (por quê?). No entanto, para a sequência xn, não existe o referido N. □

Um exemplo de aplicação da enumerabilidade de uma base da topologia, é a demonstração da Proposição 9.28. Uma propriedade que está bastante relacionada é a separabilidade do espaço topológico.

Definição 5.24 (Espaço Separável). Um espaço topológico X é separável quando houver um subconjunto enumerável denso. Ou seja, quando existir S X enumerável tal que S¯ = X.

Uma das utilidades de se demonstrar que um espaço possui base enumerável, é poder concluir que este espaço é separável.

Proposição 5.25. Um espaço topológico com base enumerável é separável.

Demonstração. Seja B1,B2, uma base enumerável. Agora, para cada Bn, escolha xn Bn. Então, o conjunto S = x1,x2, é denso. □

Por outro lado, uma das utilidades de se demonstrar que um espaço é separável, é, em alguns casos, poder concluir que este espaço possui base enumerável. É o que faremos na demonstração da Proposição 9.28.

Proposição 5.26. Um espaço métrico (X,d) tem base enumerável se, e somente se, é separável.

Demonstração. Pela Proposição 5.25, basta mostrar que se X for separável, então X tem base enumerável. Seja S X um subconjunto enumerável denso. Basta, então, mostrar que

= B1 n (x) x S,n = 1,2,

é uma base para a topologia de X.

Como é uma família de abertos, basta mostrar que para todo a X, dado m , existem x S e n tais que

a B1 n (x) B 1 m (a).

Pela densidade de X, podemos escolher x S tal que d(x,a) < 1 2m. Assim, basta tomar n = 2m, pois além de termos a B1 n (x), também temos que para todo y B1 n (x),

d(y,a) d(y,x) + d(x,a) < 1 2m + 1 2m = 1 m.

Ou seja, B1 n (x) B 1 m (a). □

5.4.1 Exercícios

5.4.1. Seja 𝒮 uma família de subconjuntos de X. Mostre que se 𝒮 é uma família finita, então a topologia gerada por 𝒮 também é finita.

5.4.2. Onde foi usado que #𝒮 = na Proposição 5.21?

5.4.3. Dê um exemplo de um espaço topológico onde existe uma base finita de vizinhanças de um certo elemento x, mas não existe uma base de vizinhanças composta por apenas um elemento.

5.4.4. Mostre que a sequência xn construida na demonstração da Proposição 5.23 de fato converge para x.