Capítulo 6
Fecho e Interior

Dado um subconjunto B X de um espaço topológico X, vamos associar a B o conjunto B¯ dado por todos os pontos que estão “próximos” de B. Veremos que a propriedade do item (3) da Proposição 4.8 garantirá que se F = B¯, então F = F¯. Ou seja, apesar de termos acrescentado pontos em B para construir o conjunto F, mesmo com esse alargamento, F não se tornou “próximo” de nenhum ponto do qual B já não fosse próximo. O conjunto B¯ é o fecho de B. E os conjuntos F que satisfazem F = F¯ são chamados de conjuntos fechados. Veremos que os conjuntos fechados são exatamente os complementares dos conjuntos abertos.

6.1 Fecho e Fechado

Definição 6.1.

Seja X,τX um espaço topológico e B X um subconjunto qualquer de X. Definimos o fecho de B, e denotamos por B¯ o conjunto

B¯ = x X V 𝒱x,V B.

Também escrevemos cl B; ou quando queremos enfatizar a topologia τX, escrevemos clτX B.

Observação 6.2. O operador de fecho é uma aplicação

cl :𝒫X 𝒫XBB¯ .

Lema 6.3.

Seja X,τX um espaço topológico. E para cada x, seja βx 𝒱x uma base de vizinhanças de x. Então,

B¯ = x X V βx,V B = .

Em particular, x está no fecho de B se, e somente se, para todo vizinhança aberta U de x, U B = .

Vamos então verificar algumas propriedades do operador clτX.

Proposição 6.4.

A operação de fecho no espaço topológico X,τX satisfaz:

  1. ¯ = ,X¯ = X.
  2. B B¯.
  3. A B A¯ B¯.
  4. B¯¯ = B¯. (clτX2 = clτX)
  5. Se Bλ (λ Λ) é uma família qualquer de subconjuntos de X, então
    λΛBλ¯ λΛBλ¯.
  6. Se A B são subconjuntos de X, então
    A¯ B¯ = A B¯.

Demonstração. _ Itens (1), (2) e (3).

Consequências imediatas da definição de fecho.

_ Item (4).

Por (2), B¯ B¯¯. Seja então x B¯¯, e seja U τX uma vizinhança aberta de x. Então existe y B¯, tal que y U. Ou seja, U é vizinhança de y. E portanto, como y está no fecho de B, existe z B tal que z U. Provamos que toda vizinhança aberta de x intercepta B. Pelo lema 6.3, x B¯.

_ Item (5).

O item (5) é imediato da definição de fecho. No entanto, também pode ser demonstrado através do item (3), pois para todo γ Λ,

Bγ λΛBλ Bγ¯ λΛBλ¯.

Basta então fazer a união para todo γ Λ.

_ Item (6).

Por (5), basta mostrar que

A B¯ A¯ B¯.

Suponha que x A B¯, mas xA¯. Vamos mostrar que x B¯. Existe uma vizinhança V de x tal que V A = . Toda vizinhança de x intercepta A B. Então, toda vizinhança de x contida em V , já que não intercepta A, tem que interceptar B. Observando que a família de todas as vizinhanças de x contidas em V forma uma base de vizinhanças de x (por quê?), concluímos pelo lema 6.3 que x B¯. □

Observação 6.5. A demonstração do item (4) da Proposição 6.4 (de fato, o lema 6.3 utilizou, de maneira essencial, o fato de a família das vizinhanças abertas de um ponto formar uma base de vizinhanças. Veja a Observação 3.5, o texto introdutório da seção 3.5 e a Figura 4.2.

Definição 6.6.

Dado um espaço topológico X,τX, um conjunto F X é fechado quando F¯ = F.

Pela definição de fechado, os conjuntos fechados são os pontos fixos da aplicação clτX. Por outro lado, o item (4) da Proposição (6.4) mostra que todo conjunto da forma B¯ é fechado. Ou seja, a família dos conjuntos fechados é exatamente a imagem de clτX. Se o “fecho” de um conjunto não fosse “fechado”, precisaríamos dar outro nome para ao menos um dos dois conceitos. :-)

Proposição 6.7.

Em um espaço topológico X,τX, F X é fechado se, e somente se, Fc τX.

Demonstração. Tome x Fc. Então existe V 𝒱x tal que V F = . Ou seja, V Fc. Portanto, Fc é aberto, já que é vizinhança de todos os seus pontos.

Por outro lado, suponha que Fc τX. Então, nenhum ponto de Fc pertence a F¯ (por quê?). Ou seja,

F¯ F.

Portanto, F¯ = F (por quê?). □

Observação 6.8. A Proposição 6.7 mostra que a topologia de X pode ser determinada pela família

= F X F¯ = F,

dos subconjuntos fechados de X. Quando é então que uma família 𝒫X define os conjuntos fechados de uma topologia τX? Ou seja, quando é que a família

τ = A X Ac

é uma topologia de X? A resposta é simples: a família terá que satisfazer as condições listadas na Proposição 6.9.

Indo um pouco além, se conhecermos clτX, também sabemos quem são os fechados de τX, e por consequência, sabemos quem é a topologia τX. Desta forma, quando é então que uma aplicação

c : 𝒫X 𝒫X

é igual à operação de fecho clτX de uma topologia τX? A resposta a esta pergunta está contida na Proposição 6.4. Veja o Exercício ??.

Proposição 6.9.

Dado um espaço topológico X,τX, a família formada pelos subconjuntos fechados de X satisfaz:

  1. ,X .
  2. F1,F2 F1 F2 .
  3. Fλ (λ Λ) λΛFλ .

Demonstração. Basta utilizar as leis de De Morgan

λΛAλc = λΛAλc λΛAλc = λΛAλc

para verificar a equivalência entre os itens da proposição e os itens da definição de topologia 4.1. □

O fecho de um conjunto B pode ser facilmente determinado se utilizarmos a família dos fechados.

Proposição 6.10.

Seja X um espaço topológico e a família formada pelos subconjuntos fechados de X. Então, para um subconjunto qualquer B X,

B¯ = BF F é fechado F.

Em outras palavras, B¯ é o menor conjunto fechado que contém B.

Demonstração. Como B¯ é fechado e B B¯, temos que

BFF B¯.

Afirmação. Se F é fechado, então

B F B¯ F.

_______________________________________________________________________________

De fato,

B F B¯ F¯ = F.

_______________________________________________________________________________

Pela afirmação anterior, é evidente que

B¯ BFF.

6.2 Interior

Assim como para o fecho, dado um espaço topológico X,τX, podemos associar a cada B X o subconjunto de B formado por todos os pontos dos quais B é vizinhança. Do mesmo modo que o fecho de um conjunto é fechado, o interior será aberto. E assim como o fecho de B é o menor fechado que contém B, seu interior é o menor aberto contido em B.

Proposição 6.11. Seja X,τX um espaço topológico e B X um subconjunto qualquer de X. Então existe um conjunto A B que é o maior subconjunto de B que é aberto. O conjunto A também pode ser escrito

A = x B B 𝒱x.

Demonstração. Como a união arbitrária de abertos é um aberto, então

A = UτX UB U

é evidentemente o maior aberto contido em B. Vamos mostrar que A = A.

O conjunto A é tal que se x A, então A𝒱x. Como A B, então para todo ponto de x A, temos que B é uma vizinhança de x. Ou seja,

A A.

Falta então mostrar que o conjunto A é aberto e que portanto,

A A.

Seja x A. Como B é vizinhança de x, então existe uma vizinhança aberta de x, Ux, tal que x Ux B. O conjunto Ux é vizinhança de todos os seus pontos. Em particular, B é vizinhança de todos os pontos de Ux. Ou seja,

Ux A.

E portanto,

A = xAUx

é aberto. □

É importante notar quando se afirma a “existência” de um elemento “máximo”. Ao contrário do que nossa intuição possa acreditar, nem sempre existe um elemento “máximo” ou “maximal” que satisfaça determinada condição. Por exemplo, não existe o “maior número real que é menor que 1.” Talvez o leitor não tenha percebido, mas se o conjunto não fosse aberto, a demonstração anterior não estaria correta. Em que momento utilizamos que é um conjunto aberto?

Definição 6.12.

Seja X,τX um espaço topológico e B X um subconjunto qualquer de X. O interior de B é maior conjunto aberto contido em B. Denotamos o interior de B por B̈, int B, ou ainda intτX B quando queremos enfatizar que é o interior de B com respeito à topologia τX.

Proposição 6.13.

Seja X um espaço topológico. Valem as seguintes relações entre o fecho e o interior de um conjunto B X:

cl Bc = int Bc cl Bc = int Bc.

Demonstração. Exercício. :-) □

6.3 Continuidade

Os conjuntos fechados são simplesmente complementos de conjuntos abertos. Dada uma aplicação f : X Y , a inversa f1 preserva a operação de complemento. Assim, f será contínua quando a imagem inversa de cada fechado for um conjunto fechado.

Proposição 6.14.

Sejam X,τX e Y,τY espaços topológicos e f : X Y uma aplicação qualquer. As seguintes afirmações são equivalentes:

  1. A aplicação f é contínua: para todo aberto A Y , f1(A) é um aberto de X.
  2. Para todo fechado F Y , f1(F) é um fechado de X.
  3. Para todo conjunto B X,
    f B¯ f(B)¯.
  4. Para todo conjunto B X,
    int f(B) f int B.

Demonstração. _ (1) (2)

Basta notar que f1 : 𝒫Y 𝒫X preserva a operação de complemento. Isto é,

f1(Ac) = f1(A)c.

_ (2) (3)

Por hipótese, o conjunto f1 f(B)¯ é fechado e contém B. Portanto, como o fecho de B é o menor fechado que o contém, segue que

B¯ f1 f(B)¯

Basta agora aplicar f a ambos os lados para obter

f B¯ f(B)¯.

_ (3) (4)

Segue da relação entre o fecho e o interior descrito na Proposição 6.13.

_ (3) (2)

Seja F Y um conjunto fechado. Faça

B = f1(F).

Vamos mostrar que B é fechado. Pela hipótese do item (3), vale que

f B¯ f(B)¯ F¯ = F.

Aplicando f1 de ambos os lados,

B¯ f1(F) = B.

Portanto, B¯ = B. □

6.3.1 Aplicação Fechada

Assim como fizemos quando definimos o que vem a ser uma aplicação aberta (Definição 4.19), vamos definir o que é uma aplicação fechada.

Definição 6.15.

Uma aplicação f : X Y entre dois espaços topológicos é fechada, quando para todo fechado F X, sua imagem f(F) Y também for fechada.

Note que enquanto é verdade que se f1 leva abertos em abertos (ou seja, f é contínua), então f1 leva fechados em fechados; não é verdade que se f é uma aplicação aberta, também será uma aplicação fechada. Por exemplo,

f : x 0

é uma aplicação fechada, mas não é aberta.

6.4 Convergência

Em um espaço topológico X, se F X é fechado, e xF, então nenhuma sequência xn F pode convergir para x. De fato, Fc é uma vizinhança de x que não contém nenhum ponto da sequência xn. Portanto, se uma sequência xn F converge para x, teremos que x F. Em particular, esquecendo um pouco o conjunto F, se xn x, então,

x xn n ¯.

Indo um pouco além,

x N xn n N¯.

Pois a sequência xN+n também converge para x.

Por outro lado, dada a sequência xn X, suponha que

x N xn n N¯.

Podemos concluir que xn x? A resposta é não! Mas por que não? Por exemplo, por que xn = (1)n não converge? E se

{x} = N xn n N¯,

então vale que xn x? Considere

xn = 0,n é imparn, n é par

para verificar que não vale. Mas é verdade que se xn x, então

{x} = N xn n N¯?

Para ver que não, basta considerar a topologia {,X}, onde X é um conjunto qualquer com mais de um elemento. Neste caso,

X = N xn n N¯,

pois o fecho de qualquer conjunto não vazio é igual a X.

Vamos supor, então, que

x N xn n N¯.

Neste caso, quando é que xn↛x? Se

xn↛x,

então existe uma vizinhança de x, V , tal que infinitos xn1,xn2,xn3, não pertencem a V . Ou seja,

xxnk k ¯.

É como dizer que xn x quando para toda “subsequência” xnk tivermos que xnk x.

Definição 6.16.

Dado um conjunto X e uma sequência xn X. Uma sub-sequência de xn é simplesmente uma sequência yk = xnk, onde n1 < n2 < n3 < .

Observação 6.17.

Dada uma sequência xn X, o que determina as subsequências de xn, são as aplicações

f : k nk ,

que preservam a ordem de . Ou seja,

k1 k2 nk1 nk2.

Poderíamos ter definido subsequência como uma aplicação f : que satisfaz

k1 < k2 f(k1) < f(k2).

Proposição 6.18.

Dado um espaço topológico X, uma sequência xn X converge para x X se, e somente se, para toda subsequência xnk,

x xnk k ¯.

Demonstração. Se xn x, então toda subsequência xnk converge para x (por quê?). Portanto,

x xnk k ¯.

Pois se xxnk k ¯, então xnk k ¯c é uma vizinhança de x que não contém nenhum xnk.

Por outro lado, se xn↛x, então existe uma vizinhança V de x, tal que para infinitos índices n1,n2,n3,, xnkV . Portanto, para esses índices,

xxnk k ¯.

Uma das implicações da Proposição 6.18, é que basta conhecer o fecho dos conjuntos enumeráveis para sabermos quais são e quais não são as sequências convergentes. Em espaços métricos, por exemplo, os conjuntos fechados F, são exatamente aqueles que

xn F,xn x x F.

Em espaços topológicos em geral, isso não é necessariamente válido. Mais adiante, veremos como o conceito de redes pode remediar esta deficiência das sequências. Por exemplo, considere a topologia em do exercício ??, onde os fechados são, além do próprio , os conjuntos enumeráveis (com cardinalidade menor ou igual à de ). Neste caso, as sequências convergentes são constantes a menos de um número finito de índices:

xn x N ,n N,xn = x. (6.1)

De fato, se houvessem infinitos índices nk tais que xnkx, então, xnk k seria um fechado que não contém x, contradizendo a Proposição 6.18. Por outro lado, as sequências de (6.1), são exatamente as sequências convergentes na topologia discreta.

Essa mesma construção poderia ser feita com qualquer conjunto X no lugar de , para se ter uma topologia em X onde as sequências convergentes são as mesmas da topologia discreta. Precisamos que X seja não enumerável para que a topologia construída seja diferente de topologia discreta 𝒫X.

Em espaços métricos, uma aplicação f : X Y era contínua quando

xn x f(xn) f(x). (6.2)

Para o caso de espaços topológicos, a continuidade de f implica na condição da equação (6.2). No entanto, a volta nem sempre vale.

Proposição 6.19.

Seja f : X Y uma aplicação entre espaços topológicos, contínua no ponto x X. Então,

xn x f(xn) f(x).

Demonstração. Se f(xn)↛f(x), então existe uma vizinhança aberta A de f(x), tal que para um número infinito de índices, a sequência f(xn) não pertence a A. Portanto, para um número infinito de índices, a sequência xn não pertence a f1(A), que é, pela continuidade de f em x, uma vizinhança de x. O que mostra que xn↛x. □