Antes de mais nada, precisamos definir o conceito de cobertura e subcobertura.
Definição 9.1 (Cobertura). Em um espaço topológico , dado um conjunto , uma cobertura (de abertos) de é uma família , tal que
Uma subcobertura de é uma subfamília que também é uma cobertura de . Também dizemos que cobre .
Muitas vezes, utilizamos a expressão cobertura de para designarmos uma família qualquer de subconjuntos de cuja união contenha . Neste livro, utilizaremos o adjetivo aberta ou a locução de abertos apenas quando não for claro pelo contexto se a cobertura é formada por conjuntos abertos ou não. Para uma cobertura que não é formada necessariamente por abertos, diremos “uma cobertura não necessariamente aberta”.
Definição 9.2 (Compacidade). Seja um espaço topológico. Dizemos que é compacto, quando toda cobertura aberta de admitir uma subcobertura finita. Se for compacto, então dizemos que é um espaço topológico compacto.
Note que será compacto se for um espaço topológico compacto quando dotado da topologia induzida.
Vejamos alguns exemplos. Primeiro, um exemplo de um conjunto que não é compacto.
Exemplo 9.3 (O intervalo ). Considere a cobertura de dada por
É evidente que tal cobertura não possui subcobertura finita. Portanto, o espaço , com sua topologia usual, não é compacto.
Exemplo 9.4 (Conjunto Finito). Seja um conjunto finito. Então, será compacto em qualquer topologia. De fato, todas as coberturas serão finitas. A imagem de por uma aplicação qualquer será sempre finita.
A compacidade é uma propriedade que de certa forma generaliza o Exemplo 9.4.
Exemplo 9.5 (Topologia Discreta). Na topologia discreta, os únicos compactos são os conjuntos finitos. Isso porque qualquer conjunto é escrito como
E a cobertura não possui subcobertura.
Exemplo 9.6 (Topologia Caótica). Seja um espaço topológico com a topologia . Então, qualquer subconjunto de é compacto. De fato, basta que seja uma família finita para que o argumento funcione.
Exemplo 9.7 (Conjunto Ilimitado). Seja um espaço métrico. Se é ilimitado, então não é compacto. De fato, dado ,
é uma cobertura sem subcobertura finita. Assim, todo subconjunto compacto de um espaço métrico é limitado. Em particular, — ou qualquer subconjunto ilimitado de — não é compacto na topologia usual.
9.1.3. Seja uma base para a topologia de . Mostre que se toda cobertura de formada apenas por elementos em tiver subcobertura finita, então é compacto.
9.1.5. Considere , onde é um espaço topológico. Mostre que é compacto na topologia se, e somente se é compacto na topologia induzida .
9.1.6. Mostre que um subconjunto de um espaço topológico é compacto se, e somente se, é um espaço topológico compacto na topologia induzida de .
Vamos estabelecer algumas propriedades elementares e algumas caracterizações de compacidade. A mais importante dessas propriedades é o fato de a imagem de um compacto por uma aplicação contínua também ser um conjunto compacto. A mais simples é o fato de todo fechado dentro de um compacto ser compacto.
Demonstração. Seja uma cobertura de . Então, é uma cobertura de . Pela compacidade de , existe uma subcobertura finita. Neste caso, é uma subfamília finita de , e cobre . □
Proposição 9.9. Sejam e espaços topológicos, um compacto e uma aplicação contínua. Então, é um compacto de .
Demonstração. Seja uma cobertura aberta de , então, é uma cobertura aberta de . Pela compacidade de , existe uma subfamília finita tal que cobre . Mas isso implica que cobre . Ou seja, é compacto. □
Exemplo 9.10. Seja () uma família de espaços topológicos não vazios. Então,
com a topologia produto, só pode ser compacto se todos os forem compactos. De fato, se é compacto, como as projeções canônicas são contínuas e sobrejetivas, os espaços são todos compactos. O Teorema 9.41, mais adiante, mostrará que vale a recíproca: se todos os forem compactos, então é compacto.
Para verificarmos se um espaço topológico é ou não compacto, a princípio, precisamos verificar que toda cobertura por abertos possui uma subcobertura finita. No entanto, de posse de uma base da topologia, a verificação pode ser restrita a subcoberturas desta base.
Proposição 9.11. Seja uma base de um espaço topológico . Então, é compacto se, e somente se, toda cobertura possuir subcobertura finita.
Demonstração. É evidente que a condição é necessária. Vamos mostrar que é suficiente. Seja uma cobertura de abertos de . Cada aberto pode ser escrito da forma
para uma família adequada. Por hipótese,
possui uma subcobertura finita. Em particular, existem tais que a família cobre . Ou seja, é uma subcobertura finita de . □
Vamos ao exemplo mais importante de conjunto compacto.
Exemplo 9.12 (Intervalo Fechado Limitado em ). O conjunto é compacto na topologia usual induzida de . Vamos usar a Proposição 9.11. Primeiramente, note que a família de todos os intervalos abertos forma uma base para a topologia de . Lembre-se que intervalos da forma e são abertos na topologia de .
Seja uma cobertura de formada por intervalos abertos. Seja o conjunto de todos os elementos tais que possui uma subcobertura finita de . É claro que .
Note que para cada ,
Mas isso implica que tanto quanto são abertos. Pela conexidade de , temos que .
Em um espaço com base enumerável, podemos caracterizar compacidade em termos de sequências de abertos.
Corolário 9.13. Um espaço topológico com base enumerável é compacto se, e somente se, para toda sequência crescente de abertos tal que
existir tal que .
Demonstração. Tal sequência é uma cobertura de . Se é compacto, existe uma subcobertura finita . Basta tomar , para ter .
Por outro lado, se é uma base enumerável, e se não é compacto, existe uma subfamília que cobre , mas que não possui subcobertura finita. Fazendo , temos uma sequência crescente de abertos tal que sua união é , mas todos os são diferentes de . □
Proposição 9.14. Sejam espaços topológicos compactos não vazios. Então, com a topologia produto, o espaço é compacto.
Demonstração. Basta mostrar para o caso . Seja uma cobertura aberta de . Pela Proposição 9.11, podemos assumir que os abertos em são da forma , com e abertos de e , respectivamente.
Para cada , o subespaço é compacto (veja a Proposição 7.30). Assim, existe uma subfamília que cobre . Note que é da forma
Em particular, fazendo , temos que é aberto e cobre .
Como os conjuntos da forma cobrem , e é compacto, existem tais que . Ou seja,
é uma subfamília finita de que cobre . □
Como os conjuntos fechados são exatamente os complementares dos abertos, a compacidade pode ser facilmente descrita em termos de conjuntos fechados.
Proposição 9.15. Um espaço topológico é compacto se, e somente se, toda família de fechados , com
para toda subfamília finita , for tal que
Se o espaço tiver base enumerável, então, toda sequência decrescente de fechados não vazios for tal que
Demonstração. A primeira parte é a definição de compacidade escrita em termos de conjuntos fechados. A segunda parte é o Corolário 9.13. □
9.2.3. Por que na demonstração da Proposição 9.11 podemos afirmar que existem tais que a família cobre .
9.2.4. Por que na demonstração da Proposição 9.14 dizemos que basta mostrar para o caso ?
Já vimos que os compactos de , em sua topologia usual, são limitados. Vamos mostrar que são fechados.
Demonstração. Suponha que não é fechado. Então, podemos escolher . Para todo , tome uma vizinhança aberta de , , e uma vizinhança aberta de , , tais que . Como , é evidente que
Por outro lado, escolhendo , e fazendo , temos que é uma vizinhança de , com . Mas como , temos que . E portanto, . Ou seja, a cobertura não possui subcobertura finita. □
Assim, os compactos de , em sua topologia usual, são fechados e limitados. Vamos mostrar que essa propriedade caracteriza os compactos de .
Proposição 9.17. Quando é munido de sua topologia usual, um subconjunto é compacto se, e somente se, for fechado e limitado.
Demonstração. Pelo Exemplo 9.7 e pelo Lema 9.16, se é compacto, então, é fechado e limitado. Por outro lado, se é fechado e limitado, então, existe tal que , e este último é compacto pelo Exemplo 9.12. Assim, a Proposição 9.8 garante que é compacto. □
A proposição a seguir é de extrema importância e é muito utilizada.
Demonstração. Sabemos que é um compacto de . Se não existir um tal , então,
Pela compacidade de , existe tal que
o que, pela definição de , é impossível. □
Outras propriedades importantes da topologia usual dos números reais são na verdade propriedades gerais dos espaços métricos e serão vistas em breve.
9.3.1. Se é contínua, pode existir um conjunto limitado tal que é ilimitado? Justifique ou dê um exemplo.
9.3.3. Considere o conunto dos racionais com a topologia induzida dos reais. O que você pode dizer sobre os subconjuntos compactos de ?
9.3.4. Descubra o que é um Espaço de Hausdorff e mostre, como no Lema 9.16, que nos Espaços de Hausdorff os conjuntos compactos são fechados.
9.3.6. Considere a topologia em dada pelo Exercício 9.3.5. Mostre que uma função definida em um espaço topológico compacto não vazio sempre atinge o máximo, mas pode não atingir o mínimo.
9.3.7. Considere com a topologia gerada pela família . Quando é que nessa topologia? (Usualmente denotamos essa convergência por .)
9.3.8. Mostre que a topologia do Exercício 9.3.7 é mais forte que a topologia usual dos reais.
Assim como no caso dos reais, se é dotado da topologia produto (sua topologia usual), é compacto se, e somente se, é fechado e limitado. Se usarmos a compacidade de no lugar da compacidade de , a demonstração é exatamente a mesma.
Teorema 9.19. Quando é munido de sua topologia usual, um subconjunto é compacto se, e somente se, for fechado e limitado.
Demonstração. Faça exatamente como na Proposição 9.17, usando a compacidade de no lugar da compacidade de . A compacidade de é consequência da Proposição 9.14. □
Outras propriedades que vamos investigar referentes a compacidade em , são na verdade propriedades gerais dos espaços métricos. Sendo assim, vamos encerrar esta seção e dar prossegimento ao estudo da compacidade em espaços métricos.
9.4.1. Mostre que se é um compacto na topologia usual, então existem , compactos na topologia usual tais que .
A topologia dos espaços métricos pode ser descrita em termos de convergência de sequências. Dois conceitos simplificam o elo entre compacidade e convergência de sequências: completude e limitação total.
Definição 9.20 (Sequência de Cauchy e Completude). Em um espaço métrico , dizemos que uma sequência é uma sequência de Cauchy quando para todo existir tal que
Dizemos que é completo quando toda sequência de Cauchy convergir para algum .
Sequências convergentes são sempre de Cauchy. Assim, um espaço métrico é completo quando as sequências forem convergentes se, e somente se, forem de Cauchy. De certa forma, as sequências de Cauchy podem ser entendidas como sequências que “deveriam convergir”, e que se não convergem, é porque em um certo sentido o suposto ponto de convergência está faltando. Ou seja, se a sequência de Cauchy não converge é porque o espaço é incompleto.
Exemplo 9.21. Com a métrica usual, conjunto não é completo. O ponto que “falta” seria justamente o .
Não vamos discutir propriedades dos espaços métricos além do necessário para discutir questões topológicas. A completude de um espaço topológico não é uma propriedade topológica. Duas métricas e em um mesmo conjunto podem ser compatíveis (induzem a mesma topologia) e serem tais que é completo, é incompleto.
Exemplo 9.22. O conjunto é homeomorfo a . Ou seja, podemos colocar em a métrica Euclideana, e obtermos um espaço incompleto, mas também podemos transportar para , através do homeomorfismo , a métrica Euclideana de . Em outras palavras, é completo com a métrica
Em nossa discussão sobre compacidade, a propriedade mas importante das sequências de Cauchy é dada pelo seguinte Lema.
Lema 9.23. Seja um espaço métrico. E seja uma sequência de Cauchy tal que existe uma subsequência que converge para . Então, converge para .
Demonstração. Seja . Então, existe tal que
e tal que . Assim, substituindo por , temos que
□Definição 9.24 (Limitação Total). Um espaço métrico é totalmente limitado quando, dado , existirem finitas bolas com
Dizer que um espaço métrico é totalmente limitado, é o mesmo que dizer que toda sequência possui uma subsequência de Cauchy.
Lema 9.25. Um espaço métrico é totalmente limitado se, e somente se, toda sequência possuir uma subsequência de Cauchy.
Demonstração. Suponha que seja totalmente limitado. Para uma sequência arbitrária , vamos escolher uma subsequência de Cauchy. Faça . Para cada , pode ser coberto por uma quantidade finita de bolas de raio . Seja a bola tal que contém infinitos termos da sequência original. Faça , e escolha (maior que ) tal que . Esta é uma subsequência de Cauchy. De fato, para , como e tem diâmetro menor ou igual a , temos que
Por outro lado, se não é totalmente limitado, então, existe tal que nenhuma cobertura de por bolas de raio é finita. Sendo assim, escolha , e escolhido , escolha
Para esta sequência, quando , . Para esta sequência, nenhuma subsequência é de Cauchy. □
Um fato simples sobre espaços (métricos) totalmente limitados é que eles possuem uma base enumerável.
Demonstração. Pela Proposição 5.26, basta mostrar que existe um subconjunto enumerável denso. Para cada , existe um conjunto finito tal que
Neste caso,
é um enumerável denso. De fato, se é aberto, então contém uma bola . Pela definição de , existe tal que . Mas isso significa que . □
Em espaços com base enumerável, a compacidade é mais fácil de ser caracterizada.
Agora podemos caracterizar os espaços métricos compactos em termos de convergência de sequências. Note que os lemas anteriores implicam que um espaço métrico é completo e totalmente limitado se, e somente se, toda sequência possuir uma subsequência convergente.
Demonstração. Já vimos que os itens (2) e (3) são equivalentes, mas mesmo assim, vamos formalizar aqui a demonstração.
_
Se é uma sequência, e é totalmente limitado, então, pelo Lema 9.25, possui uma subsequência de Cauchy. Mas se também é completo, essa subsequência é convergente.
Por outro lado, se não é completo, então, existe uma sequência de Cauchy que não converge. Pelo Lema 9.23, não possui subsequência convergente. E se não é totalmente limitado, o Lema 9.25 implica que existe uma sequência sem subsequência de Cauchy. Em particular, não possui subsequência convergente, já que toda sequência convergente é de Cauchy.
_
Suponha que é compacto. Seja
Os conjuntos formam uma sequência decrescente de fechados não vazios. Pela compacidade de , sabemos que o limite não pode ser vazio. Portanto, existe . Agora, para cada , escolha tal que . Então, a sequência é uma subsequência de que converge para .
_
Se é totalmente limitado, então, pelo Lema 9.26, tem base enumerável. Neste caso, se não é compacto, pelo Lema 9.27, existe uma sequência de abertos , tais que .
Escolha . Para qualquer , existe tal que . Portanto, para , . Ou seja, nenhuma subsequência de pode convergir para . Como é arbitrário, nenhuma subsequência de converge. □
9.5.4. Sejam os conjuntos do Lema 9.26. Considere as famílias
Mostre que de fato,
é uma base da topologia.
9.5.5. Na demonstração da Proposição 9.28, usamos o seguinte passo:
Agora, para cada , escolha tal que .
Por que sabemos que existe tal ?
9.5.6. Na demonstração da Proposição 9.28, usamos o seguinte passo:
Agora, para cada , escolha tal que .
Por que é importante que ?
9.5.7. Mostre que se é compacto e todo ponto tem uma base enumerável de vizinhanças, então toda sequência tem subsequência convergente.
9.5.8. Na resolução do Exercíco 9.5.7, quais passos não funcionariam se não houvesse a hipótese de cada ponto de ter uma base enumerável de vizinhanças?
9.5.9. Procure (internet?) uma exemplo de um espaço compacto tal que nem toda sequência tem subsequência enumerável.
Os espaços métricos possuem propriedades que nem sempre estão presentes nos espaços topológicos em geral. Uma dessas propriedades é a Proposição 1.6, que diz que dois pontos distintos podem ser separados por bolas disjuntas. Foi esta propriedade que nos permitiu mostrar que os subconjuntos compactos de com sua topologia usual são fechados (Lema 9.16). Da mesma forma, a Proposição 1.6 pode ser usada para demonstrar que em um espaço métrico, os subconjuntos compactos são sempre fechados.
Definição 9.29 (Espaço de Hausdorff). Um espaço (topológico) de Hausdorff é um espaço topológico tal que para todos os elementos distintos, existem e com . Também dizemos que é de Hausdorff, ou simplesmente que é Hausdorff.
A Definição 9.29 poderia ter sido feita com e abertos. A demonstração e o enunciado precisos deste fato ficam como exercício.
O axioma da Definição 9.29 garante que de uma certa forma, dois pontos distintos e podem ser separados por vizinhanças. Esse tipo de axioma é chamado de axioma de separação. Veremos outros tipos de axioma de separação no Capítulo ??. Veja também o Exercício 9.6.1.
Os espaços métricos são espaços de Hausdorff. Talvez por isso, os espaços que não são de Hausdorff fujam um pouco à nossa intuição. Quando um espaço é de Hausdorff, em certos casos podemos tratá-lo como se fosse um espaço métrico. Ao invés de dizermos
Tome tal que .
podemos simplesmente dizer
Tome vizinhanças disjuntas de e .
Mesmo argumentos com espaços métricos ficam mais elegantes se evitarmos escolher para ao invés disso, utilizarmos a Proposição 1.6. Por outro lado, nem todos os espaços topológicos são de Hausdorff. Ao identificarmos que um espaço não é de Hausdorff, sabemos que existem certas propriedades que este espaço pode ter, mas que fogem à nossa intuição.
Exemplo 9.30. O conjunto dos números reais, com sua topologia usual, é um espaço de Hausdorff. De fato, pela Proposição 1.6, qualquer espaço métrico é um espaço de Hausdorff.
Exemplo 9.31 (Topologia caótica). Seja um conjunto com mais de um elemento. Então, dotado da topologia caótica , não é de Hausdorff. Note que na topologia caótica, todos os subconjuntos de são compactos, mas os fechados são apenas e .
Exemplo 9.32 (Convergência pontual). Dados os conjuntos e o espaço topológico , se é de Hausdorff, então, o conjunto das funções com a topologia da convergência pontual (Exemplo 7.32) é de Hausdorff. Isso porquê, se duas funções e são distintas, então existe tal que . Tome duas vizinhanças disjuntas e de e , e perceba que os conjuntos e são vizinhanças disjuntas de e .
Assim como no caso dos espaços métricos, os subconjuntos compactos de um espaço de Hausdorff são sempre fechados.
Proposição 9.33. Se é um espaço de Hausdorff, então todo subconjunto compacto é fechado. Se é compacto Hausdorff, então, os subconjuntos de que são compactos são exatamente os subconjuntos fechados.
Demonstração. A demonstração da primeira parte é idêntica à demonstração do Lema 9.16. Suponha que é compacto. Tome . Vamos mostrar que . Para cada , existem vizinhanças abertas e disjuntas e de e . Note que
é uma cobertura aberta de . Pela compacidade de , existem tais que,
Faça e . Então, é uma vizinhança de , tal que
E portanto, . Assim, concluímos que é fechado.
A última afirmação é evidente. □
Se um espaço topológico for Hausdorff, então qualquer topologia em que seja mais forte que também será de Hausdorff. Por outro lado, se o espaço é compacto, então continuará sendo compacto mesmo com uma topologia mais fraca. Assim, se é compacto Hausdorff, então, não existe uma topologia que seja de Hausdorff, pois tomando , teríamos um compacto em que não é fechado. E por outro lado, não existe uma topologia onde seja compacto, pois neste caso, tomando , teríamos um fechado que não é compacto. Esta é a rigidez dos espaços que são compacto Hausdorff.
Proposição 9.34. Seja um espaço topológico compacto, e um espaço de Hausdorff. Se é uma bijeção contínua, então é um homeomorfismo.
Demonstração. É suficiente mostrar que é uma aplicação fechada. Seja um fechado. Pela compacidade de , é compacto. Por ser imagem de um compacto por uma aplicação contínua, é um compacto de . Mas como é de Hausdorff, é fechado. □
Exemplo 9.35. Seja um espaço topológico compacto Hausdorff, um espaço topológico qualquer e uma aplicação qualquer. Considere o gráfico de
Então,
De fato, note que o gráfico de é a imagem da função
Se é contínua, é contínua, e a imagem do compacto por é um conjunto compacto.
Por outro lado, considere a projeção contínua de na primeira () e na segunda () coordenadas. Ambas são contínuas pela definição da topologia de . é uma bijeção contínua do compacto no espaço de Hausdorff . Pela Proposição 9.34, é contínua. Portanto, é contínua.
Em um espaço topológico , pode acontecer de uma mesma sequência convergir para dois pontos de distintos. Nos espaços de Hausdorff, isso não acontece. Apesar de a recíproca não ser verdadeira, ou seja, existirem espaços que não são de Hausdorff, mas que os limites das sequências convergentes são únicos, veremos que ao substituir sequências por redes, no Capítulo ??, os espaços de Hausdorff são exatamente aqueles que os limites das redes convergêntes são únicos.
Demonstração. Se , então existem vizinhanças de e disjuntas, e . Como , temos que a partir de um certo , todos os estão em . Mas nenhum deles pode estar em , pois e são disjuntos. Isso contraria o fato de convergir para . □
A seguir, um exemplo de um espaço que não é de Hausdorff, mas que os limites de todas as sequências são únicos.
Exemplo 9.37 (Topologia coenumerável). Seja um conjunto não enumerável, e a topologia coenumerável. Ou seja,
As sequências convergentes de , são aquelas que a partir de um certo se tornam constantes. Evidentemente que uma tal sequência não pode ter dois limites distintos. No entanto, como não é enumerável, dois abertos de nunca são disjuntos.
9.6.6. Dê uma definição para espaços de Hausdorff, alternativa à Definição 9.29, mas que utilize abertos ao invés de vizinhanças. Demonstre que as duas definições são equivalentes.
9.6.7. Use a Proposição 9.34 para mostrar que se são topologias em , com Hausdorff e compacta, então .
9.6.9. Em um espaço topológico , dado , é fechado se, e somente se, para todo diferente de existe tal que .
9.6.10. Dê um exemplo de um espaço topológico onde existem dois pontos tais que
mas que não implica que .
É bastante claro que, ao verificarmos a compacidade de um espaço, é suficiente verificarmos as coberturas formadas por elementos de uma base fixada. Isso porque, toda cobertura de abertos pode ser “refinada” por uma cobertura formada apenas por elementos da base da topologia (veja a Proposição 9.11). É um fato surpreendente (ao menos para o autor), que para verificar a compacidade de um espaço, é suficiente verificar a existência de subcoberturas finitas para coberturas formadas por elementos de uma sub-base. Este é o conteúdo do teorema a seguir. Vamos demonstrar de duas formas. A primeira utiliza indução transfinita e o Princípio da Boa Ordenação. A segunda demonstração utiliza o Lema de Zorn. Antes, vamos precisar de um Lema. Material sobre esses assuntos pode ser encontrado no Apêndice ??.
Lema 9.38. Seja uma sub-base para a topologia de , e seja a base gerada por . Se é uma cobertura sem subcobertura finita, e , então, podemos adicionar a , um conjunto com , de modo que a família
também não possui subcobertura finita.
Demonstração. Sabemos que . Escreva , com . Para , faça
Se todas as coberturas tivessem subcobertura finita, também teria (por quê?). Portanto, fazendo para algum tal que não tem subcobertura finita, temos a família satisfazendo a condição desejada. □
Teorema 9.39 (Teorema de Sub-Base de Alexander). Seja uma sub-base para a topologia do espaço . Então, é compacto se, e somente se, toda cobertura possuir uma subcobertura finita.
(Demonstração utilizando o princípio da boa ordenação). É evidente que a condição é necessária. Vamos mostrar que se um espaço não é compacto, então existe uma cobertura formada por elementos da sub-base, mas que não possui subcobertura finita. Fica como exercício mostrar que se não cobre , então é compacto. Portanto, podemos assumir que cobre . Seja a base gerada por . Como não é compacto, existe uma família que cobre e que não possui subcobertura finita.
Seja uma boa ordem em . Vamos utilizar a seguinte notação. Defina
e
Definidos para todo tal que não possui subcobertura finita, então também não tem subcobertura finita. De fato, se é o primeiro elemento de , não tem subcobertura finita por hipótese. Caso contrário, uma subcobertura finita de estaria toda contida em para algum , mas não tem subcobertura finita.
O Lema 9.38 implica que existe , com , tal que é uma cobertura sem subcobertura finita. Por indução transfinita, para todo , é uma cobertura sem subcobertura finita. Mas isso implica que é uma cobertura, pois , mas sem subcobertura finita. De fato, se tivesse subcobertura finita , então existiria tal que , contrariando o fato de não possuir subcobertura finita. Como , a proposição fica demonstrada. □
Vamos demonstrar o mesmo fato usando o Lema de Zorn. É um bom exercício comparar as duas demonstrações.
(Demonstração utilizando o lema de Zorn). Denotando por a base gerada por , basta mostrar que quando não é compacto, existe uma cobertura sem subcobertura finita. O conjunto das subfamílias de sem subcobertura finita não é vazio, pois não é compacto. Ordenando as subfamílias de por inclusão, se () é uma cadeia de subcoberturas sem subcobertura finita, então, utilizando o mesmo argumento da demonstração por indução transfinita, concluímos que
é uma cobertura sem subcobertura finita, pois se tivesse subcobertura finita, essa subcobertura estaria contida em para algum . Assim, é indutivamente ordenado, e por isso possui um elemento maximal .
Pelo Lema 9.38, assim como na demonstração utilizando indução transfinita, vemos que se , com , então existe , com , tal que não possui subcobertura finita. Pela maximalidade de , temos que . Mas isso implica que cobre (por quê?). E como não tem subcobertura finita, também não tem, concluindo a demonstração. □
Um exemplo interessante de aplicação do Teorema de Alexander é a compacidade dos intervalos .
Exemplo 9.40 (Compacidade com sub-base em ). Uma sub-base para a topologia usual de é a família
Suponha que seja uma cobertura de . Se os conjuntos da forma de cobrem , então existe , com . O mesmo argumento vale se os conjuntos da forma de cobrirem . Caso contrário, tomando como o supremo dos tais que , e o ínfimo dos tais que , é fácil ver que . Ou seja, existem , com tais que . Assim,
Pelo Teorema 9.39, é compacto.
9.7.1. Na demonstração do Lema 9.38, como sabemos que ?
9.7.2. Por que nos preocupamos em observar que na demonstração do Lema 9.38?
9.7.3. Mostre que na demonstração do Lema 9.38, se todas as famílias tivessem subcobertura finita, então também teria.
9.7.4. O que daria errado na demonstração do Exemplo 9.40 se substituíssemos por ?
Como prometido, vamos mostrar que o produto de espaços compactos é compacto na topologia produto. Mesmo que seja o produto de infinitos, e até mesmo incontáveis espaços.
Teorema 9.41. Seja () uma família qualquer de espaços topológicos. Neste caso, o espaço
é compacto na topologia produto se, e somente se, todos os forem compactos.
Demonstração. Se é compacto, então, como cada é a imagem do compacto pela projeção contínua , é compacto. Vamos utilizar o Teorema de Sub-Base de Alexander (Teorema 9.39) para mostrar a implicação inversa. Suponha que cada é compacto. Seja
A topologia produto é gerada pela família
Seja uma cobertura de . Se nenhuma das subfamílias cobrir , então podemos escolher para cada , tal que não é coberto por . Assim, o conjunto
contém o elemento , mas não intersecta nenhum elemento de , para nenhum . Ou seja, não intersecta nenhum elemento de . E isso contraria o fato de ser uma cobertura de . Portanto, existe um tal que cobre . Pela compacidade de , existe uma subfamília finita , tal que cobre (por quê?). Ou seja, esta família cobre . Pelo Teorema 9.39, é compacto. □
Exemplo 9.42 (Representação binária). Na topologia produto, o espaço é compacto. Pelo Exemplo 7.31, o conjunto , como imagem da representação binária (ou decimal) por uma aplicação contínua, também é compacto.
Exemplo 9.43 (Convergência ponto a ponto). Considere o conjunto das funções , para algum fixado. Na topologia da convergência ponto a ponto, ou seja, na topologia produto, quando identificamos com , o espaço das funções é compacto.
Mais a frente, veremos que o famoso Teorema de Banach-Alaoglu, estudado em análise funcional, consiste em identificar o espaço estudado com um subconjunto fechado do espaço compacto deste exemplo.