Se temos um espaço topológico e um subconjunto , então parece natural pensarmos na restrição da topologia ao subconjunto . Mas isso é realmente natural? Vamos fazer algumas considerações.
Imagine que é uma sequência (o ideal seria falar de “redes” — veja o Capítulo ??) que na topologia converge para . Neste caso, se fôssemos “induzir” em uma topologia a partir de , sua topologia deveria ser tal que para ,
Pensando em termos da operação de fecho, para um conjunto , o conjunto dos pontos de que estão “próximos” — ou seja, no fecho — de são, intuitivamente, os pontos de que estão em . Ou seja, deveríamos ter que
Vendo do ponto de vista da continuidade, se é uma aplicação qualquer, e é tal que , então podemos pensar na aplicação
e esperar que possamos induzir em uma topologia tal que é contínua se, e somente se, o for. Poderíamos também, dado , pensar na continuidade de . Claro que esperaríamos que se é contínua em , então, na topologia induzida, deve ser contínua em . Ou seja, se é vizinhança de em , deve ser vizinhança de em . Dentre essas considerações, o menos natural é pensar em termos de abertos. E é por isso que este livro é “de vários ângulos”. :-)
Entretanto, como nossa definição de espaço topológico é em termos de abertos, com as ferramentas que temos até o momento, será mais fácil definir a topologia de um subconjunto em termos de abertos. Felizmente, a definição com abertos é extremamente simples.
Definição 7.1 (Topologia Induzida em um Subconjunto).
Seja um espaço topológico e um subconjunto de qualquer. Então, o conjunto
é a topologia induzida por em .
Notação. Na Definição 7.1, a notação não é a interseção de e , mas a família formada pela interseção dos elementos de com o conjunto . Este abuso de notação, em geral, não deve causar problemas de entendimento e será usado sem ressalvas.
Vamos então verificar que a definição de topologia induzida em um subconjunto satisfaz as propriedades discutidas no início do capítulo.
Seja um espaço topológico e um subconjunto qualquer de . Então a topologia induzida em , , satisfaz:
é contínua se, e somente se, é contínua. (Note que a diferença entre as aplicações e é apenas o contra-domínio das aplicações)
é contínua.
Demonstração. _ Itens (1) e (2).
Imediato da definição de .
_ Item (3).
Imediato do item (1).
_ Item (4).
Este fato pode ser demonstrado de várias formas — de vários ângulos ;-). Vamos utilizar a Proposição 6.10, mas o leitor é motivado a demonstrar diretamente da definição de fecho (Definição 6.1).
Pela Proposição 6.10 e pelo item (2),
(em que lugar da equação foi utilizado que ?)
_ Item (5).
Exercício.
_ Item (6)
Basta notar que .
_ Item (7)
Exercício. □
Observação 7.3. Para uma aplicação e um subconjunto , sempre que falarmos de propriedades topológicas de estaremos nos referindo à topologia . De modo mais geral, a menos que se diga o contrário, consideraremos dotado da topologia .
Observação 7.4. Note que se é um aberto, então
Em particular, os abertos da topologia induzida são também abertos na topologia original. Isso não vale em geral.
Da mesma forma, se for fechado, os fechados da topologia induzida serão exatamente os fechados da topologia original que estejam contidos em . (demonstre!)
Exemplo 7.5 (Topologia Induzida: ). Considere a topologia no intervalo induzida pela topologia usual dos números reais. Então, por exemplo, a família
é uma base de vizinhanças abertas para o ponto .
Exemplo 7.6 (Espaço Métrico). Em um espaço métrico , temos a topologia , em , induzida pela métrica . Se é um subconjunto qualquer de , então, a princípio, temos duas maneiras canônicas de induzir uma topologia em . Temos , e temos também a topologia induzida pela restrição da métrica ao conjunto :
Essas duas topologias coincidem. (por quê? dica: o que são as bolas na métrica induzida?)
Sejam e espaços topológicos disjuntos. O leitor não deverá ter problemas para se convencer que é natural definir a topologia
em . Note que . Essa topologia é caracterizada pela propriedade
No Capítulo 8, estudaremos a existência de conjuntos que são fechados e abertos ao mesmo tempo. Se em um espaço topológico existe um subconjunto próprio não vazio, , que é aberto e fechado ao mesmo tempo, então seu complemento, também é aberto e fechado. Neste caso, os abertos de são da forma , onde e . Dizemos que é desconexo (Definição 8.1).
7.1.2. Dê um exemplo de um espaço topológico , um subconjunto e uma função tais que não é contínua, mas é.
A topologia inicial é um dos conceitos mais importantes em topologia geral. Esta seção deve ser estudada com muita atenção.
Se temos uma aplicação de um conjunto qualquer em um espaço topológico, a Proposição 5.10 mostra que é uma topologia em . Não apenas isso, mas é também a menor topologia que torna contínua. De fato, é contínua quando . Mesmo quando estivermos tratando de uma família de aplicações
podemos falar da topologia mais fraca em que torna todas as contínuas.
Dada uma família de aplicações
a topologia — a menor topologia tal que todas as aplicações são contínuas — é chamada de topologia (inicial) induzida pela família . Quando a família é composta por apenas uma aplicação , a topologia inicial é denotada por .
Da mesma forma, dada uma aplicação de um espaço topológico em um conjunto qualquer, podemos nos perguntar qual seria a maior topologia que pode ser colocada em de modo que seja contínua. O leitor deve se convencer de que a exigência “maior topologia tal que seja contínua” faz sentido. Afinal, se é contínua, então será contínua se a topologia de for substituída por uma topologia mais fraca qualquer.
Dada uma família de aplicações
a maior topologia em tal que todas as aplicações são contínuas é chamada de topologia final induzida pela família . Quando a família é composta por uma única aplicação , denotamos a topologia final por .
Daqui por diante, vamos omitir o conjunto de índices quando conveniente, para simplificar a notação.
Observação 7.9. O caso em que o uso da topologia final é mais útil, é quando se tem apenas uma função . Para uma família , se denotarmos por a topologia final induzida pela aplicação , então a topologia final induzida pela família toda será
Isso porque a inteseção de topologias é uma topologia.
Demonstração. Denote por a família . Evidentemente que , pois é a maior família tal que . Basta então mostrar que é de fato uma topologia… deixemos isso como exercício ao leitor. :-) □
é contínua quando consideramos as topologias usuais, de e de . A topologia inicial em quando consideramos a topologia usual em é dada por
Ou, o que dá na mesma,
E qual é a topologia final de ?
Quando temos uma família de aplicações cada uma com seu domínio e seu contra-domínio, podemos representá-las em um diagrama. Por exemplo,
Dizemos que o diagrama comuta quando “diferentes caminhos” correspondem à mesma aplicação. Se, por exemplo, o diagrama anterior comuta, então sabemos que ; ou então, .
Vamos caracterizar as topologias inicial e final utilizando diagramas comutativos.
Dada a aplicação , a topologia inicial é a única topologia que torna contínua e é tal que para todo diagrama comutativo
a continuidade de é equivalente à continuidade de .
Demonstração. Primeiro vamos mostrar que para , a continuidade de é equivalente à de . Primeiramente, por definição, torna contínua. Se for contínua, então é contínua por ser a composição de duas aplicações contínuas. Por outro lado, supondo que é contínua, dado , é da forma , com . Assim,
Pela continuidade de , este conjunto é aberto de . Ou seja, a imagem inversa de um aberto de é aberto de . Portanto, é contínua.
Falta mostrar que só existe uma topologia que satisfaz a condição da proposição. Suponha que e ambas satisfaçam a condição do enunciado. Considere a seguinte o seguinte diagrama comutativo.
Neste caso, como satisfaz as condições do enunciado e é contínua na topologia , temos que é contínua. Mas a continuidade da identidade é equivalente a
Invertendo os papeis de e , obtemos a unicidade:
Observação 7.13. Muitos autores começariam a demonstração anterior pela unicidade. Na demonstração da unicidade, não foi preciso utilizar a existência! Não foi preciso saber como é a “cara” da topologia . Optamos por considerar duas topologias quaisquer que satisfazem as condições impostas e demonstrar que são necessariamente iguais. Concluindo que se existe uma, então é única. Daqui por diante, quando possível, começaremos esse tipo de demonstração pela unicidade.
A Proposição 7.12 admite a seguinte generalização.
Considere a família de aplicações . A topologia inicial em dada pela família é a única topologia onde todas as são contínuas, e para toda aplicação
vale que
Demonstração. _ Unicidade.
Seja uma topologia que satisfaz as condições do enunciado, e uma topologia onde as são contínuas. Considere a seguinte família de diagramas comutativos indexada por .
Como satisfaz as condições da proposição e é contínua na topologia , então é contínua. Ou seja,
Portanto, para uma topologia que também satisfaz as condições da proposição, se invertermos os papeis de e , chegaremos à igualdade.
_ A topologia inicial possui as propriedades enunciadas.
Suponha que seja a topologia inicial. Ou seja, a topologia gerada pela família
Pela Proposição 5.11,
□A topologia final tem forma semelhante à inicial quando utilizamos diagramas comutativos.
Dada a aplicação , a topologia final é a única topologia, que torna contínua e é tal que para todo diagrama comutativo
a continuidade de é equivalente à continuidade de .
Demonstração. Para mostrar a unicidade, considere as topologias e , e suponha que ambas possuem as propriedades do enunciado. Então, o diagrama
comuta, e o fato de ser contínua em ambas as topologias implica que é um homeomorfismo. Ou seja,
Vamos então mostrar que satisfaz as condições da proposição. A parte não trivial é mostrar que a continuidade de implica na continuidade de . Seja , então
é aberto de . Pela definição de topologia final, temos que é aberto de . Ou seja, é contínua. □
Exemplo 7.16. Seja um espaço normado. Faça
Vamos denotar por a topologia da norma e por a topologia inicial induzida em por .
A aplicação é contínua em . Portanto,
No entanto, se e , então para todo tal que . Portanto,
Por outro lado, as vizinhanças de são as mesmas em ambas as topologias.
Fica demonstrado que denotar a topologia da norma por foi uma escolha ruim, pois a topologia da norma NÃO é a topologia inicial induzida pela norma. :-p
Exemplo 7.17. Seja um espaço métrico. Considere a família de funções
indexada por . Neste caso, a topologia da métrica é exatamente a topologia inicial induzida pela família .
Exemplo 7.18. Seja o conjunto das funções limitadas de em . Para cada , temos
A topologia inicial definida em pela família () é a topologia da convergência ponto a ponto, onde
Veja a Seção 7.3.
Ainda podemos, para cada sequência com (ou ), definir
etc. Podemos sempre obter topologias mais e mais fortes. No entanto, todas elas são mais fracas que a topologia da norma do supremo, pois todas essas funções são contínuas quando é munido da norma
Se também considerarmos as sequências , temos uma topologia mais forte ainda. Podemos ainda fazer o mesmo para o e obtermos topologias cada vez mais fortes. No entanto, todas essas topologias continuam sendo mais fracas que a topologia da norma do supremo, pois todas essas funções são contínuas quando consideramos a norma do supremo em .
7.2.1. Por que a topologia inicial é definida como a mais fraca tal que a família de funções é contínua, e não como a mais forte?
7.2.2. Por que a topologia final é definida como a mais forte tal que a família de funções é contínua, e não como a mais fraca?
7.2.3. Seja uma família de aplicações. Mostre que
é, de fato, a menor topologia tal que todas as são contínuas.
7.2.4. Seja uma família de aplicações. Mostre que
é a topologia mais forte tal que todas as são contínuas.
7.2.5. Complete a demonstração da Proposição 7.10.
7.2.7. Seja a aplicação do Exemplo 7.11. Mostre que
7.2.8. Seja a aplicação do Exemplo 7.11. Mostre que
7.2.9. Seja a aplicação do Exemplo 7.11. Fixado , para cada , seja . Mostre que
é uma base de vizinhanças de na topologia final.
Quando temos dois espaços métricos, e , de que forma podemos gerar uma métrica em ? Se e forem o conjunto dos números reais com a métrica usual (euclidiana), o que poderia ser a métrica em ? Poderia ser a métrica euclidiana (Exemplo 1.10), ou a métrica do máximo (Exemplo 1.11), ou então a métrica da soma. Pelo exercício ??, todas essas métricas são topologicamente equivalentes e possuem a seguinte propriedade
Para uma sequência e , temos que
Esta propriedade é facilmente verificada para a métrica do máximo e, pela equivalência topológica, vale para todas as três. A topologia produto que queremos definir — lembre-se que não temos uma métrica — será exatamente a topologia da “convergência/continuidade coordenada a coordenada”.
Inspirados pelo fato de que na métrica do máximo (Exemplo 1.11) as bolas são na verdade quadrados, vamos definir o produto de dois espaços topológicos como sendo o espaço onde a base da topologia serão os “retângulos”.
Definição 7.19 (Topologia do Produto de dois Espaços).
Sejam e dois espaços topológicos. Definimos o espaço produto como sendo o espaço topológico , onde é gerada pelos conjuntos da forma , onde e .
A topologia é chamada de topologia produto. Por um abuso de notação, escrevemos para designar a topologia produto. Quando queremos ser menos ambíguos, escrevemos .
As projeções canônicas em e
e
exercem papel fundamental no estudo das topologias produto.
Na Definição 7.19, poderíamos ter dito que a topologia produto é gerada pelos conjuntos da forma e , onde e . No entanto, os conjuntos da forma , além de geradores são também uma base da topologia. Isso está de acordo com a analogia com a métrica do máximo, onde as bolas — que são uma base para a topologia — são os “quadrados.” No caso da topologia produto, não temos “quadrados,” temos “retângulos.”
Sejam e dois espaços topológicos e uma topologia qualquer no conjunto . As seguintes afirmações são equivalentes.
Demonstração. _
Imediato da definição de topologia produto e da Observação 5.15. Basta notar que .
_
As projeções são contínuas se, e somente se, para todo e , e . Assim, a menor topologia em que torna as projeções contínuas é a topologia gerada pelos conjuntos da forma e , para e .
_
É um caso particular da Proposição 7.14. □
Observação 7.22. Se para escrevermos
então e . O item (5) da proposição diz que na topologia produto, é contínua se, e somente se, e são contínuas.
Observação 7.23. Seja . O item (5) da Proposição 7.21 pode sugerir que a continuidade de no ponto seja equivalente à continuidade de e . No entanto, a continuidade dessas duas seções de é uma condição mais fraca que a continuidade de .
Se é contínua em , isso significa que se “nos aproximarmos” de na “vertical”, o valor de se aproxima de . A continuidade de em corresponde à continuidade de na “horizontal”. No entanto, isso não garante nada sobre o comportamento de quando “nos aproximamos” de pela “diagonal”, ou mesmo por um caminho em “espiral”. Um exemplo concreto é a aplicação , dada por
Neste caso, . No entanto, .
Observação 7.24. Para a topologia produto, também vale que
(7.1) |
No entanto, como as sequências convergentes não determinam a topologia, não se pode afirmar que a condição acima determina a topologia produto.
Se ao invés de sequências, utilizássemos o conceito de redes — desenvolvido no Capítulo ?? —, a relação da equação 7.1 caracterizaria totalmente a topologia. Com redes no lugar de sequências, será contínua se, e somente se, para toda rede , tivermos
As considerações que foram feitas para o produto de dois espaços topológicos podem ser facilmente estendidas para definir e caracterizar o produto de uma quantidade finita de espaços topológicos.
Dada uma família de espaços topológicos , a topologia produto é a menor topologia de onde as projeções em cada coordenada,
são contínuas. O espaço (topológico) produto , é o conjunto , dotado da topologia produto.
O leitor fica encarregado de enunciar e demonstrar uma proposição análoga a 7.21.
Se temos um espaço topológico para cada , pela experiência com o produto de uma família finita de espaços topológicos podemos logo imaginar duas topologias que poderíamos chamar de topologia produto. Uma delas, seria a topologia em gerada pela família dos conjuntos da forma , onde . Se estivéssemos falando de espaços métricos, seria como definir a métrica do supremo (veja o Exemplo ??). Esta topologia é bastante geométrica e intuitiva. No entanto, não é esta a topologia que chamamos de topologia produto da família (). A topologia produto é um pouco mais fraca, possui propriedades importantes (por exemplo, o Teorema 9.41) e é, em geral, mais fácil de se trabalhar.
Definição 7.26. Dada uma coleção qualquer de espaços topológicos , a topologia produto é a menor topologia de onde as projeções em cada coordenada,
são contínuas. O espaço (topológico) produto , é o conjunto , dotado da topologia produto.
Desta forma, a topologia produto é a topologia mais fraca tal que as projeções canônicas são contínuas. Novamente, o leitor fica encarregado de enunciar e demonstrar uma proposição análoga a 7.21.
Proposição 7.27. Dada uma coleção qualquer de espaços topológicos , seja o espaço produto munido da topologia produto. Então, é contínua se, e somente se, é contínua para todo .
Demonstração. Basta aplicar a Proposição 7.14. □
Exemplo 7.28. Considere o conjunto e as seguintes normas
A topologia da norma é a topologia produto. De fato, nesta norma, a bola centrada em , de raio é igual a
onde é tal que .
A topologia da norma é mais forte que a topologia produto. Neste caso, a bola centrada em , de raio é igual a
que pode não é aberto quando para uma quantidade infinita de índices .
Proposição 7.29. Sejam espaços topológicos, e as projeções canônicas
Então, cada é uma aplicação aberta.
Demonstração. De fato, vamos mostrar que é uma aplicação aberta quando o produto é dotado da topologia cuja base são os conjuntos da forma
onde . Note que esta topologia é mais forte que a topologia produto, e portanto, se for uma aplicação aberta nesta topologia, será aberta na topologia produto. A imagem por de é , que é aberto. Como a imagem de uniões é a união das imagens, e os abertos são uniões de elementos da base, segue que é uma aplicação aberta. □
Proposição 7.30. Sejam espaços topológicos, o espaço produto e as projeções canônicas
Então, escolhendo , para cada , o conjunto da forma
é homeomorfo a .
Demonstração. A topologia de é gerada pela família
onde , e é um aberto de . Mas exceto quando , esses conjuntos ou são vazios, ou iguais a . Assim, a topologia de é gerada pela família
onde é um aberto de . Essa família é uma topologia. Portanto, esses são exatamente os abertos de . Isso implica que a bijeção contínua é também uma aplicação aberta. De fato,
Ou seja, é um homeomorfismo. □
Exemplo 7.31 (Representação Decimal). Considere o conjunto dos dígitos de a . O espaço pode ser utilizado para representar números reais no intervalo . Enxergamos um elemento como sendo o número real cuja representação decimal é . Formalmente, a representação é feita pela função
Note, no entanto, que a aplicação não é uma bijeção. Apesar de ser sobrejetiva, existem números que possuem duas representações distintas. Por exemplo,
Na topologia produto, uma sequência converge para , quando para todo , . No entanto, como é discreto, isso significa que a partir de um certo ,
Em outras palavras, para todo , existe tal que
Assim, na topologia produto, converge para quando para todo , a partir de um certo , os primeiros termos de coincidem com os primeiros termos de . Em particular, a aplicação é contínua, pois se converge para , então, para todo , existe tal que os primeiros termos de coincidem com os de , para todo . E isso implica que .
É comum utilizarmos o espaço , ao invés de . Neste caso, trabalhamos com a representação binária dos elementos de .
Exemplo 7.32 (Espaço de Funções: convergência pontual). Sejam um conjunto qualquer, e um espaço topológico. Podemos identificar as funções com os elementos do conjunto
onde é uma cópia do espaço . Se dotarmos da topologia produto, temos uma noção de convergência no espaço das funções de em . Nesta topologia, uma vizinhança de são as funções que para um certo número finito de pontos (coordenadas) , e diferem “pouco”. Para que pertença a esta vizinhança , não faz diferença que valores assume em pontos diferentes de . Para ser preciso, uma vizinhança é um conjunto que contém para determinados , e determinadas vizinhanças .
Pela Proposição 5.17, uma sequência converge para nesta topologia, exatamente quando, para todo , . Por isso, esta topologia no espaço das funções de a é chamada de topologia da convergência pontual, ou topologia da convergência ponto a ponto.
Seja uma aplicação qualquer entre os espaços topológicos e . O gráfico de é o conjunto
Mostre que quando é contínua e é um espaço métrico, o seu gráfico é um subconjunto fechado de . (Veja também a definição de espaço de Hausdorff: 9.29)
Mostre que, apesar de
ser um conjunto fechado pelo exercício 7.3.3, a projeção de na primeira (e também na segunda) coordenada não é um conjunto fechado.
7.3.5. Explique o que representa o conjunto na Proposição 7.30.
7.3.6. Explique porque, na demonstração da Proposição 7.30, ou é vazio ou é quando .
7.3.7. Por que no Exemplo 7.31 pudemos afirmar que é contínua baseado apenas no fato de
7.3.8. Seja () uma família de espaços topológicos e um subconjunto de índices. Vamos denotar por
Mostre que a aplicação
é contínua e aberta.
7.3.9. No mesmo contexto do Exercício 7.3.8, suponha que é uma partição de . Mostre que a aplicação
é um homeomorfismo.
Quando temos um conjunto qualquer , é comum querermos identificar uma classe de pontos de como se fossem um só. Por exemplo, o círculo pode ser visto como o intervalo com os pontos e identificados. A ideia é particionar em classes de equivalência. O intervalo com os pontos e identificados corresponde à partição
O círculo também pode ser visto como com os pontos e identificados sempre que . Neste caso, é particionado pela família
onde .
Ou seja, tomamos uma família de subconjuntos disjuntos, tais que
Existe uma projeção natural
onde é o único elemento tal que . Assim, podemos colocar em a topologia final induzida por .
Estamos preocupados em “particionar” um conjunto e pensar no conjunto formado pelos elementos da partição escolhida. Uma maneira muito comum de se escolher uma partição de é através de uma relação de equivalência. Não vamos entrar em detalhes quanto às propriedades das relações de equivalência, mas de fato, definir uma relação de equivalência no conjunto equivale a particioná-lo.
Definição 7.33. Uma relação em um conjunto é simplesmente um subconjunto de . Usualmente escrevemos
ao invés de dizer que pertence à relação .
Definição 7.34. Uma relação (binária) definida em um conjunto é uma relação de equivalência se satisfizer, para todo ,
Definir uma relação de equivalência em é equivalente a particioná-lo, pois dada uma relação de equivalência podemos particionar em classes de equivalência, ou seja, nos conjuntos
Do mesmo modo, dada uma partição de , podemos definir a relação de equivalência
Notação. Dada uma relação de equivalência em , denotamos por o conjunto das classes de equivalência de . A projeção natural de em é a aplicação dada por
Ao identificarmos, por exemplo, os pontos e do intervalo para formar o círculo, chamando esse ponto identificado de , a topologia que esperamos deve ser tal que, uma sequência converge para o ponto sempre que se aproximar do conjunto . Dessa forma, uma sequência que se aproxima de é uma sequência que se aproxima de , ou de , ou que “oscila” entre esses dois pontos. O que queremos, é que cada vizinhança de seja união de uma vizinhança de e uma vizinhança de . Ou seja, queremos que a projeção canônica, seja contínua. Mas também, não esperamos que uma sequência que nem mesmo se aproxima de ou de seja considerada uma sequência que se aproxima de . Queremos que a topologia seja a mais forte possível com esta propriedade.
Definição 7.35 (Topologia Quociente). Quando é um espaço topológico e uma relação de equivalência definida sobre , a topologia quociente em é a topologia final induzida pela projeção natural.
Seja um conjunto e uma relação de equivalência em . Suponha que a aplicação
seja tal que . Neste caso, podemos definir
Note que o seguinte diagrama
é comutativo. Assim, pela Proposição 7.15, sabemos que a topologia quociente fará com que uma eventual continuidade da aplicação seja equivalente à continuidade de .
Construções com “quocientes” são muito comuns, por exemplo, em álgebra, onde quocientamos grupos por subgrupos, anéis por ideais, espaços vetoriais por subespaços vetoriais e assim por diante. Em muitos casos, essas estruturas algébricas são também dotadas de topologia. Mais a diante, no Capítulo ??, por exemplo, veremos como o estudo da topologia pode facilitar a compreensão desses espaços.
Exemplo 7.36 (O Círculo Unitário ).
O círculo unitário pode ser visto, dentre outras maneiras, como o subconjunto dos números complexos de valor absoluto , ou como o conjunto , onde
Costumamos denotar este quociente por .
Neste caso, podemos pensar, por exemplo, nas seguintes topologias em :
As topologias dos itens (2) e (3) são de fato a mesma topologia. Isso porque a relação de equivalência do item (3) é dada exatamente por
fazendo com que o diagrama
seja comutativo. Onde é justamente a bijeção que usualmente identifica e . As aplicações e são contínuas respectivamente na topologia final induzida por e na topologia final (topologia quociente) induzida por . Pela caracterização de topologia final dada pela Proposição 7.15, isso implica que tanto quanto são contínuas. Ou seja, é um homeomorfismo.
Quanto à equivalência entre os itens (1) e (3), considere com a topologia induzida. Sabemos que, como é contínua (Exercício 7.4.1), então também é. Para concluir que todas as três topologias são iguais, precisamos mostrar que é contínua quando é dotado da topologia induzida. Isso será feito mais adiante. Será consequência direta da Proposição 9.34.
Exemplo 7.37 (O Toro ). A forma da Figura 7.1 é o chamado toro bidimensional: . Uma generalização é o toro -dimensional: . O círculo é o toro unidimensional.
O toro -dimensional pode ser definido como o espaço produto de cópias do círculo unitário (Figura 7.1), mas também pode ser visto como o espaço quociente , onde a relação é dada por
Costumamos denotar este quociente por .
Assumindo que é munido da topologia do item (2) do Exemplo 7.36, podemos colocar no toro a topologia produto ou a topologia quociente. Novamente, ambas as topologias irão coincidir. Para ver isso, basta considerar o diagrama comutativo
onde é dado por
Note que é a identificação usual entre e .
7.4.2. Suponha que a projeção canônica seja uma aplicação aberta e que é uma bijeção. Então,
é homeomorfismo se, e somente se, é aberta e fechada.
Esta seção pode (e deve!) ser omitida. É apenas uma divagação sobre convergência de sequências. Ao fazer analogia com os espaços métricos, o estudante frequentemente se pergunta porque é que nem sempre se pode usar sequências para determinar as propriedades topológicas de um espaço.
Se temos um conjunto e uma topologia sobre , sabemos exatamente quais são e quais não são as sequências convergentes. No entanto, conhecer as sequências convergentes não garante que conheçamos a topologia. De fato, duas topologias distintas podem ter exatamente as mesmas sequências convergentes, convergindo para os mesmos limites.
Exemplo 7.38 (Topologia Coenumerável). Seja um conjunto não enumerável, e
As sequências convergentes em são aquelas que a partir de um certo índice se tornam constantes. Ou seja, as sequências constantes a menos de um número finito de termos.
Considere agora dada por
Fica como exercício mostrar que é de fato uma topologia. Evidentemente que as sequências constantes a menos de um número finito de termos convergem nesta e em qualquer outra topologia. Considere então a sequência . Suponha que
O conjunto
é vizinhança aberta de em . A convergência de implica que para um certo ,
Mas só está em se . Ou seja, é constante a menos, possivelmente, de .
Pergunta: porque sabemos que ?
Dado um espaço topológico , podemos indagar se existe uma topologia que é a menor onde as sequências convergentes são as mesmas que de . Também podemos nos perguntar se não existe a maior topologia com esta mesma propriedade. Se existir, será a interseção da família de todas as topologias () tais que para todo ,
Vamos definir como sendo
Evidentemente que como , então toda vizinhança de em também é uma vizinhança em . Portanto,
No entanto, a implicação contrária pode não ser verdadeira. Ou seja, é possível que, para a topologia , não tenhamos
Para um exemplo, veja:
http://math.stackexchange.com/questions/395980/topology-_for-_convergent-_sequences Para compreender o exemplo é
necessário conhecer um conceito mais avançado chamado “ultrafiltro”. Para nossos
propósitos, basta dizer que o exemplo se trata de uma família de topologias
no conjunto
tais que
equivale à
existência de
tal que
No entanto, em , equivale à existência de tal que
Ou seja, sempre que “sai” de qualquer subconjunto finito de .
Por outro lado, vamos definir a topologia
É evidente que é uma topologia e é mais forte que . O leitor é convidado a demonstrar essa afirmação.
Como , sabemos que
Por outro lado, pela definição de , sabemos que
(7.2) |
Ou seja, sempre existe a topologia mais forte determinada pela família de sequências convergentes de uma toplogia dada. Em outras palavras, denotando por a família de topologias
temos que é tal que , mas pode ocorrer que não pertença a .
7.5.1. Mostre que a topologia coenumerável ( no Exemplo 7.38) é de fato uma topologia.
7.5.2. Por que sabemos que no Exemplo 7.38?