O conceito mais importante e mais enfatizado nos cursos de topologia é o de conjunto aberto (Definição 3.10). No entanto, o conceito de vizinhança (Definição 3.1) é muito mais fundamental e mais natural, principalmente quando se faz o paralelo entre o ponto de vista da topologia geral e a topologia dos espaços métricos. O conceito de vizinhança é mais próximo e generaliza muito melhor o que se faz quando se utiliza argumentos com bolas, ou argumentos do tipo “epsilon e delta”, muito comuns quando tratamos de espaços métricos. Veja, por exemplo, os exercícios da seção 2.3.
Quando falamos de convergência e continuidade nos capítulos anteriores, estávamos de posse de uma métrica. A métrica nos dava a noção de distância que nos permitia falar de “proximidade”. Quando dizemos que converge para , não estamos de fato interessado nos pontos que estão “longe” de . Estamos interessados apenas nos que estão “próximos”. De fato, poderíamos nos restringir apenas a bolas “pequeninas”. Poderíamos nos restringir a bolas de raio menor que . Ou então, a bolas de raio . Ou, de modo um pouco mais geral, poderíamos nos restringir a bolas de raio , onde é uma sequência qualquer tal que .
Quando converge para , é porque se é um conjunto que contém e é de certa forma um conjunto suficientemente grande, conterá toda a sequência , exceto para uma quantidade finita de índices . Esse suficientemente grande, no caso de espaços métricos, significa que existe uma bola centrada em tal que . A esses conjuntos suficientemente grandes, chamamos de vizinhanças de . (veja a Proposição 2.9)
Seja um espaço métrico e . Todo conjunto que contém uma bola centrada em é chamado de vizinhança de . Denotamos por o conjunto de todas as vizinhanças do ponto .
É imediato que toda bola centrada em é uma vizinhança de . Mais do que isso, pela Proposição 1.4, uma bola é vizinhança de todos os seus pontos. Esta propriedade está formalizada na proposição seguinte.
Se é uma bola em um espaço métrico . Então,
Ou seja, uma bola é vizinhança de todos os seus pontos.
Demonstração. Veja a Proposição 1.4. Ou, para um argumento mais visual, compare as Figuras 1.3 e 3.1. □
A seguir, apresentamos algumas propriedades elementares das vizinhanças de um ponto.
Seja um espaço métrico e . Então
se, e somente se, para toda vizinhança de , , existir tal que
Demonstração. Tome uma bola centrada em tal que . Para esta bola existe tal que
Em particular,
Seja um espaço métrico e . Então valem as seguintes afirmações sobre a família de todas as vizinhanças de :
Demonstração. O item (1) é imediato.
O item (2) é imediato do fato que as bolas centradas em são totalmente ordenadas. Ou seja, a que tiver o menor raio estará contida em ambos os conjuntos.
O item (3) é uma re-interpretação da Proposição 3.2. Basta tomar como sendo uma bola centrada em contida em . □
Das propriedades listadas na Proposição 3.4, o item (3) é o de interpretação mais difícil. Vamos voltar a discutí-lo no em vários momentos durante a exposição sobre topologia geral, e principalmente no Capítulo ??. Uma das implicações do item (3), é a seguinte. A explicação pode ser acompanhada na Figura 3.2. Seja . Suponha que para cada tenhamos uma sequência , indexada por , que converge para . Então, não é possível que a sequência convirja para . De fato, o item (3) da Proposição implica na existência de uma vizinhança aberta de contida em . Vamos chamar essa vizinhança de , que na figura representamos sugestivamente como uma “bola”. Assim, se tivéssemos que converge para , teríamos que para algum , . Como também é vizinhança de (já que é vizinhança de todos os seus pontos), e como , teríamos que para algum , . Contrariando o fato de que .
Em um espaço métrico , dado um ponto qualquer , existe uma família enumerável de vizinhanças tal que para toda vizinhança , existe tal que , e tal que se , teremos que ou .
3.1.4. Mostre que em um espaço métrico, se, e somente se, para toda sequência , o conjunto
for finito.
3.1.5. Mostre, usando o exercício 3.1.1 e as proposições 3.2 e 3.3, que em um espaço métrico, se é uma sequência convergindo para , e é uma sequência (indexada por ) convergindo para , então existem sequências ilimitadas , tais que .
Usando vizinhanças para expressar continuidade a formulação fica muito simples. O trabalho todo já foi feito na Proposição 2.10.
Notação. Seja um conjunto. Chamamos de partes de , e denotamos por , a família formada por todos os subconjuntos de . Assim, podemos olhar para como sendo a aplicação
Se e , escrevemos para indicar a família
Demonstração. Tome . Então existe uma bola centrada em , tal que . Pela Proposição 2.10, . Como , temos que .
Por outro lado, se , teremos que em particular para toda bola centrada em . Ou seja, contém uma bola centrada em para toda bola centrada em . Novamente, pela Proposição 2.10, isso implica que é contínua em . □
Em se tratando de espaços métricos, tanto a definição 2.6, quanto qualquer uma de suas formulações equivalentes dadas pelas proposições 2.10 e 3.6, poderiam ser utilizadas como a definição de continuidade em um ponto. Poderíamos ter escolhido um caminho diferente e adotado uma definição de continuidade no estilo
Para todo existe tal que
Cada caracterização enfatiza um aspecto diferente do fenômeno de continuidade. É importante que não nos acomodemos a apenas uma delas, mas que escolhamos a mais adequada a cada situação.
Quando definimos o que seriam as vizinhanças de um ponto de um espaço métrico, utilizamos as bolas centradas em . Chamando de a família das bolas centradas em , temos que
Além do mais, todo conjunto contém um conjunto . Ou seja, a sub-família determina quais são as vizinhanças de . Poderíamos ter nos restringido às bolas de raio para compor a família . As vizinhanças “geradas” por essa nova família seriam exatamente as mesmas.
Definição 3.7. Seja a família de todas as vizinhanças de , onde é um espaço métrico. Então, dizemos que é uma base de vizinhanças de quando
Seja um espaço métrico e . Seja também uma base de vizinhanças de . Então, uma sequência converge para se, e somente se, para todo existir tal que
Demonstração. Dado , escolha satisfazendo . Então, por hipótese, existe tal que
Portanto, . □
Sejam e espaços métricos e . Sejam e uma base de vizinhanças de . Então, é contínua em se, e somente se,
Demonstração. Pela Proposição 3.6, basta mostrar que
Uma direção é óbvia, já que . Suponha então que . Neste caso, existe tal que . Assim, . Portanto, . □
A aplicação mais imediata da proposição é a equivalência entre as seguintes afirmações, que são definições alternativas para a continuidade de no ponto :
Para todo existe tal que
Para todo existe tal que
Um conjunto aberto é um conjunto que é vizinhança de todos os seus pontos. A Proposição 1.4 mostra que em um espaço métrico, todas as bolas são abertas. Por isso, muitos autores usam a expressão bola aberta para se referirem ao que neste livro definimos como bola. Ainda vamos formalizar isso melhor, mas os conjuntos abertos caracterizam toda a topologia do espaço, haja visto que a família
é uma base de vizinhanças de para todo . (veja o item (3) da Proposição 3.4)
Conhecendo todos os conjuntos abertos, sabemos quem são as sequências convergentes, quais funções são ou não contínuas e, conforme já mencionado, quais são as vizinhanças de um ponto.
Dado um espaço métrico , a topologia de induzida por , denotada por — ou, mais comumente, por um abuso de notação, denotada por — é a família de todos os abertos de . Isto é,
Demonstração. Basta notar que, chamando de a coleção de todas as bolas centradas em ,
Como é uma base de vizinhanças de , qualquer família “entre” e também é uma base de vizinhanças de . (porquê?) □
Seja um espaço métrico. Então, tem as seguintes propriedades:
Demonstração. Para o item (1), é fácil ver que é vizinhança de qualquer ponto . Para o conjunto vazio … note que todos os elementos do conjunto vazio satisfazem a propriedade que você quiser. Neste caso, a propriedade de terem como vizinhança. Em suma:
E portanto, .
O item (2) é consequência do item (2) da Proposição 3.4. Ou seja, se , como e são vizinhanças de , então também é. Assim, é vizinhança de todos os seus pontos.
Do mesmo modo, o item (3) é consequência do item (1) da Proposição 3.4, pois
Ou seja, é vizinhança de todos os seus pontos e é portanto aberto. □
Seja um espaço métrico e . Então, são equivalentes:
Demonstração. Se é aberto, então para cada ponto existe uma bola centrada em e contida em . Desta forma, é evidente que
Ou seja, é uma união de bolas.
Por outro lado, sabemos que as bolas são conjunto abertos. Assim, qualquer conjunto que seja uma união de bolas é, pelo item (3) da Proposição 3.13, um conjunto aberto. □
Dado um espaço métrico . Podemos caracterizar o fenômeno de convergência em termos de sua topologia ? De fato, para dizer se converge ou não para um certo , de acordo com a Proposição 3.8, precisamos apenas conhecer uma base de vizinhanças de qualquer. Sabemos que os abertos que contém formam uma base de vizinhanças de . Sendo assim, colcluímos que converge para se, e somente se, para todo aberto que contenha o ponto existir tal que
Uma aplicação entre espaços métricos e é contínua quando é contínua em todo ponto do seu domínio. Se considerarmos , a função será contínua em quando levar vizinhanças de em vizinhanças de . Sendo assim, para contínua, se for um conjunto aberto (vizinhança de todos os seus pontos), então será também vizinhança de todos os seus pontos. Ou seja, se é contínua, então . Vamos formalizar isso.
Sejam e espaços métricos, e uma função qualquer. As seguintes afirmações são equivalentes:
Seja . Então, para todo temos que é vizinhança de , e pela Proposição 3.6, é vizinhança de . Ou seja, é aberto.
Sabemos pela Proposição 3.12 que para todo ,
é uma base de vizinhanças de . Pelo item (2), temos que é aberto e obviamente contém . Ou seja, . Pela Proposição 3.9, segue que é contínua em . □
O exemplo seguinte mostra que nem toda bijeção contínua tem inversa contínua.
Exemplo 3.16. Considere e os espaços métricos dados pelos números reais com a métrica euclidiana (Exemplo 1.8) e a métrica discreta (Exemplo 1.9), respectivamente. Então, a aplicação identidade
é contínua, mas sua inversa não é. De fato, na topologia dada pela métrica discreta, todos os conjuntos são abertos. Ou seja, .
E o que significa então dizer que é bijetiva, contínua e sua inversa é contínua? O fato de ser uma bijeção implica que podemos identificar os pontos de com os pontos de . O fato de ser contínua com inversa contínua significa que com essa identificação as estruturas topológicas e também são identificadas. Esse tipo de função é chamada de homomorfismo. De modo geral, quando é uma função bijetiva qualquer, contínua ou não, com inversa também podendo ser ou não contínua, podemos transportar a métrica para como feito no Exemplo 1.14:
Desta forma, reduzimos o problema ao caso da aplicação identidade
pois a aplicação será contínua (ou sua inversa será contínua) se, e somente se, a identidade o for. Em outras palavras, dizer que é contínua é o mesmo que dizer que . Dizer que a inversa de é contínua, é o mesmo que dizer que . Assim, será um homeomorfismo quando .
Se e são espaços métricos, então uma função é chamada de homomorfismo quando é bijetiva, contínua com inversa também contínua.